#98 — Bastidores: Um Rio Que Mudou de Cor

Episódio do podcast Vida de Jornalista publicado em 25/09/2021. Veja aqui a íntegra do roteiro

Vida de Jornalista
10 min readSep 25, 2021

Por Rodrigo Alves

O episódio em áudio está na Orelo, na Deezer, no Spotify, na Apple, no Castbox ou no seu aplicativo preferido (basta buscar por Vida de Jornalista).

O roteiro do episódio na íntegra:

[INÍCIO DO EPISÓDIO]

[LOCUÇÃO]

E aí, tudo bem?

[VINHETA RÁDIO GUARDA-CHUVA]

[Voz feminina acompanhada do som de um guarda-chuva abrindo]

O Vida de Jornalista tem o selo da Rádio Guarda-Chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir.

[LOCUÇÃO]

Eu sou o Rodrigo Alves, e essa é a série anual do Vida com bastidores de podcasts jornalísticos.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Esse é o sexto episódio da série, e é um por dia, então se você ouviu tudo até aqui você provavelmente não aguenta mais a minha voz. Mas se você tá chegando agora, eu te conto que nessa terceira temporada, são sete mini-episódios pra você saber mais sobre alguns dos podcasts mais incríveis das regiões Norte e Nordeste.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Hoje a gente volta pro Norte, mais especificamente pro Pará, então deixa eu ligar o rádio pra saber qual é o nosso podcast do dia.

[EFEITO DE RÁDIO SINTONIZANDO]

[TRECHO UM RIO QUE MUDOU DE COR]

- Os garimpos ficam perto de rios. As margens são escavadas. O fundo do rio é remexido. As árvores são derrubadas. E com isso as águas ganham uma nova coloração. Eu sou Priscila Tapajowara, indígena de Santarém, aqui no Oeste do Pará. E esse é Um Rio Que Mudou de Cor, podcast que conta as histórias de violência e destruição do garimpo ilegal na Amazônia paraense. Aqui você escuta sobre a realidade assustadora que a gente vive na pele na beira do Rio Tapajós e em outros pontos da floresta.

- Quem vai sofrer com isso, com essas consequências são nossos netos, nossos filhos, isso nos deixa muito triste, né?

[LOCUÇÃO]

Um Rio Que Mudou de Cor é um podcast narrativo recém-lançado, uma produção da Trovão Mídia encomendada pelo WWF-Brasil com a Priscila Tapajowara apresentando. Talvez você já conheça a Priscila de outras produções, como Mídia Índia ou o canal Reload, por exemplo. E hoje ela vai contar um pouco pra gente sobre a experiência de narrar um podcast sobre garimpo, uma realidade que ela conhece de muito perto. Bem-vinda ao Vida, Priscila.

[PRISCILA]

Olá, eu sou Priscila Tapajowara, sou indígena do povo Tapajó, moro na cidade de Santarém.

[LOCUÇÃO]

E quem também vai bater um papo com a gente é o Fábio Zuker, que tocou a produção do podcast e também tá muito acostumado às coberturas na Amazônia.

[FÁBIO]

Olá, meu nome é Fábio Zuker, eu sou antropólogo e jornalista, são duas profissões um pouco difíceis, né, pra dizer o mínimo, de estarem sendo feitas aqui no Brasil nesse momento.

[LOCUÇÃO]

É, não tá nada fácil, ainda mais esse tipo de jornalismo e antropologia, levantando questões na Amazônia. Eu vou deixar os dois se apresentarem melhor, começando pelo Fábio.

[FÁBIO]

Trabalho majoritariamente cobrindo a região Amazônica, né? Eu sou de São Paulo, mas como eu desenvolvi meu doutorado no Rio Tapajós, mais especificamente no baixo Rio Tapajós, acabou que até antes da pandemia eu passava a maior parte do tempo entre as duas cidades, né? Metade do ano no Tapajós, próximo a Santarém, principalmente junto às aldeias do povo Tupinambá. E a outra metade do ano em São Paulo visitando família, amigos, enfim. E algumas vezes viajando pra outros locais da Amazônia também, pra cobrir determinados conflitos, principalmente envolvendo comunidades indígenas, mas também quilombolas, comunidades ribeirinhas tradicionais…

[LOCUÇÃO]

E a Priscila…

[PRISCILA]

Eu atuo na produção de audiovisual, né, como coordenadora e comunicadora do Mídia Índia. Uma das coordenadoras também do Natura Audiovisual, que é um coletivo de audiovisual de jovens indígenas da região do Baixo Tapajós. Sou diretora cinematográfica e agora eu tô nesse mês lançando uma websérie que se chama Guaraitá: Histórias Amazônidas. Sou fotógrafa, sou pesquisadora…

[LOCUÇÃO]

E agora apresentadora de podcast.

[PRISCILA]

Então, quando me convidaram pra apresentar o podcast Um Rio Que Mudou de Cor eu fiquei muito agradecida, fiquei feliz, e também seria um novo projeto que eu estaria fazendo, algo que eu ainda não tinha feito, ser apresentadora de podcast, é a primeira vez que eu faço.

[LOCUÇÃO]

E o mais importante…

[PRISCILA]

Pra falar sobre um assunto que eu já venho falando muito, e que eu vejo de perto, né? Sobre essa questão do garimpo, que é algo que a gente vivencia muito aqui na região do Tapajós. Eu vivo no Baixo Rio Tapajós, a questão do garimpo acontece mais no Alto Tapajós, só que a gente sofre as consequências aqui no Baixo, né? A gente vê os nossos parentes sofrendo diariamente ameaças por causa dos garimpeiros, então eu poder também usar essa ferramenta do podcast para falar sobre algo que tá prejudicando, que tá ameaçando a vida dos nossos parentes Munduruku mas também a nossa, foi gratificante.

[TRECHO UM RIO QUE MUDOU DE COR]

(Música calma ao fundo)

- É a febre do ouro. É um estado de espírito que parece tomar conta das pessoas e abre caminho para a violência. Deixa uma ferida aberta, uma chaga visível nos corpos humanos. E invisível também, porque corrói aos poucos os modos de vida tradicionais. Cria conflitos dentro das comunidades, contamina peixes. É a chaga do garimpo.

[PRISCILA]

Então, o processo de gravação foi muito legal, no meu ponto de vista, sabe? Eu aprendi algo novo, eu tava ali aprendendo sobre essa questão de apresentar, e não na frente de uma câmera, que é totalmente diferente. Era uma equipe muito legal, sabe? Eles estavam ali abertos a sempre ouvir o que eu tinha pra falar, né? Então se eu tinha uma indicação de alguém que eles poderiam entrevistar, eu indicava, e eles aceitavam. Ou quando eu via que alguma coisa no texto poderia estar de uma outra forma também a gente fazia esse ajuste. Então eles também me deram essa liberdade de interferir no roteiro de alguma forma. A gente construiu esse podcast.

[LOCUÇÃO]

Então vamos trazer de novo o Fábio Zuker pra explicar um pouquinho como foi essa construção e pra falar também sobre o papel da Priscila nessa história…

[FÁBIO]

Que ela não só deu voz a esse roteiro, a essa pesquisa que a gente estava elaborando, como também ela trouxe muitas reflexões e trouxe muito do mundo dela. Então também teve um diálogo muito bonito, muito legal.

[LOCUÇÃO]

Legal, queria aproveitar pro Fábio contar um pouquinho mais sobre o conteúdo do podcast e como é que a apuração chegou lá. O Fábio já tinha trabalhado com a Trovão Mídia em outro ótimo podcast, o Terra Arrasada, e dessa vez a missão era…

[FÁBIO]

… fazer um podcast narrativo que explicasse quais são os processos, né? O que é essa cadeia do garimpo, quais são os impactos, por que ele é tão destrutivo, porque ele é tão violento, por que ele tá invadindo territórios indígenas hoje na Amazônia, por que ele envolve tantas ameaças de morte…

[LOCUÇÃO]

É um tema muito complexo, ainda mais pra uma série narrativa, que é difícil de montar, né?

[FÁBIO]

E a outra demanda da WWF era que fossem oito episódios, né? O que gerou um desafio de produzir, tentar encadear, elaborar de tal modo que fizesse sentido cada episódio como uma pequena série, que um levasse ao outro, que a argumentação fosse sendo construída na voz narrativa tanto de indígenas quanto de pesquisadores e jornalistas inclusive, que tão investigando quem são esses garimpeiros, as relações deles com Brasília, alguns outros elementos que a gente foi abordando também de cunho histórico, né? Principalmente o Massacre da Ponte de Marabá, um episódio que contou com a ajuda da Júlia Dolce, também jornalista, pra gente conseguir abordar essa dimensão histórica.

[TRECHO UM RIO QUE MUDOU DE COR]

- Aí fica a pergunta: por que nenhuma equipe da imprensa cobriu o acontecimento do Massacre da Ponte de Marabá enquanto ele acontecia lá em 1987?

- A maioria das pessoas que morreram, ou que sumiram, que estão desaparecidas até hoje, são pessoas pobres. São camponeses, pessoas que viviam ora lavrando a terra, ora lavrando os minérios. Que vêm de gerações vivendo disso.

- Por isso o silêncio. Por isso a tentativa de esquecimento dessa tragédia.

[FÁBIO]

E aí eu acho que teve uma preocupação de trazer essas pessoas que vivem os impactos, os indígenas, os ribeirinhos, que tão acompanhando esse processo de expansão do garimpo na região. Acho que alguns dados ali no episódio sobre o mercúrio que vem do garimpo, né? Que foi um episódio que o fotógrafo e jornalista Leonardo Milano me ajudou também, ajudou a nossa equipe. É que a contaminação de mercúrio que entra na cadeia alimentar ela é especialmente grave pra crianças e pra mulheres. Então realmente é um risco de problemas neurológicos, de desenvolvimento cognitivo que tá atrelado ao consumo deste mercúrio, que afeta principalmente gestantes e crianças, jovens que tão se desenvolvendo. Então acho que esse é um aspecto muito preocupante.

[TRECHO UM RIO QUE MUDOU DE COR]

- A gente não percebe assim que já tá passando tanto tempo, mas na verdade é uma base de 30 anos, mais ou menos, que tá acontecendo esse tipo de coisa. Não é de hoje que eu fico vendo essa diferença da água, dos peixes a gente vê a diferença, muito.

[LOCUÇÃO]

Agora você imagina o risco que essas pessoas correm não só pela contaminação, mas pela violência, né? Quando algum morador local resolve falar sobre o assunto, se posicionar, inclusive pro podcast.

[FÁBIO]

Então a gente tentou tomar cuidado pra não expor essas pessoas, pra não expor principalmente os indígenas que tavam dando depoimento e poderiam ser alvo, né? Proteger as fontes pra que elas não se tornassem alvo elas mesmas de um possível ataque, de uma possível retaliação por parte dos garimpeiros.

[LOCUÇÃO]

E os próprios garimpeiros que tão ali expostos, não o chefão do garimpo, quem tá lucrando com isso, mas quem tá ali na ponta.

[FÁBIO]

Muitas vezes um garimpeiro tradicional, um garimpeiro artesanal que tá ali operando, e ele também tá submetido a uma de violências, né? Isso a gente tentou mostrar como é a vida de um de um garimpeiro que trabalha na Amazônia. E ele é apenas uma peça. Ele tá ali envolvido numa engrenagem também de muita violência, sujeito a uma condição absolutamente insalubre de trabalho, isso é uma coisa que a gente descreve bastante no podcast. E muitas vezes trabalho análogo à escravidão. Em mais de um caso a gente vê o Ministério Público do Trabalho fechando garimpos porque as pessoas estão submetidas a uma condição análoga à escravidão. Então também retratar o que é o garimpo na Amazônia é retratar essa forma violenta de exploração do próprio garimpeiro.

[TRECHO UM RIO QUE MUDOU DE COR]

- O ano é 2020, mas o problema é antigo e difícil de fiscalizar: trabalho análogo ao de escravo nos garimpos do Pará.

- De acordo com a matéria produzida pelo portal Rede Pará, em novembro do ano passado, uma ação de órgãos federais de fiscalização resgatou 39 trabalhadores que viviam em condições sub-humanas no garimpo Pau Rosa, em Jacareacanga, no Alto Tapajós.

[LOCUÇÃO]

A quantidade de personagens vulneráveis nessa história é surreal, né. E antes da gente terminar, eu vou chamar de volta a Priscila Tapajowara, porque a própria gravação das locuções também se misturou com um contexto de luta. Você que tá ouvindo, você lembra do episódio recente do Vida, logo antes dessa série, sobre a mobilização indígena em Brasília pra acompanhar o julgamento da tese do Marco Temporal no STF.

[ÁUDIO ACAMPAMENTO]

Yago Queiroz: Coletivo da Juventude Xokleng cantando e dançando agora na plenária do acampamento Luta Pela Vida.

[LOCUÇÃO]

A Priscila tava lá no acampamento. Então a maior parte das locuções ela gravou em Santarém, no Pará, mas não tinha como ficar fora da luta em Brasília.

[PRISCILA]

Teve alguns episódios que eu gravei quando eu estava no acampamento Luta Pela Vida. Então eu tinha que dividir meu tempo entre sair do movimento ali do acampamento pra poder gravar o podcast e depois ter que voltar novamente, né? Porque eu acredito que os dois… das duas formas eu estava apoiando a luta em defesa dos territórios, denunciando algo que tá acontecendo nos territórios dos nossos parentes aqui no Rio Tapajós, o nosso sagrado Rio Tapajós…

[LOCUÇÃO]

A Priscila ficava ali naquela correria, ela e a produtora do podcast tentando ajeitar as agendas.

[PRISCILA]

A produtora foi uma produtora muito legal, que sempre tava ali buscando ajustar as datas, né? Se eu tava lá em Brasília eles conseguiu adaptar pra que eu gravasse em Brasília. Se eu não podia naquele momento porque naquele momento ia ter uma marcha e eu tinha que estar presente naquela marcha e não podia sair, eles entendiam. Então foi muito legal essa construção.

[LOCUÇÃO]

E o resultado final deu muito certo, eu recomendo demais Um Rio Que Mudou de Cor, e agradeço muito à Priscila Tapajowara e ao Fábio Zuker por terem dividido com a gente um pouco dos bastidores dessa produção, ou como diz a Priscila, dessa construção.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Muito bem. Como esse é o último podcast da região Norte nessa série do Vida, eu só queria te dizer que tem muito mais coisa boa sendo produzida em áudio, em vários formatos. De narrativo tem o Afluente, que abriu essa série. Mas busca aí no seu celular e dá uma escutada em podcasts de notícias como o Amazônia Indígena, da Coiab, tem o Vocativo, tem o Áudio Wayuri (que é WAYURI), o Áudio Wayuri já teve aqui no Vida na abertura da segunda temporada, no episódio sobre jornalismo local. Se você curte o formato de bate-papo, tem o Pod Guaraná, que é ótimo, uma bagunça maravilhosa. Tem até um podcast de Manaus só sobre a série Dawson’s Creek, que é o Laguinho da Joey, com esse nome espetacular. Então não tem desculpa, busca aí no seu tocador e amplia essa biblioteca de podcasts.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

A série de bastidores volta amanhã pro último episódio, mas a gente vai fechar muito bem, com as Cunhãs, do Ceará. Um beijo, um abraço, e até lá!

[FIM DO EPISÓDIO]

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