#83 — Uma viagem pelo Norte

Episódio do podcast Vida de Jornalista publicado em 6/4/2021. Veja aqui a íntegra do roteiro

28 min readApr 7, 2021

Por Rodrigo Alves

O episódio em áudio está no Spotify, na Apple, na Orelo, no seu aplicativo preferido (basta buscar por Vida de Jornalista) ou no player a seguir.

O roteiro do episódio na íntegra:

[INÍCIO DO EPISÓDIO]

[VINHETA RÁDIO GUARDA-CHUVA]

- O Vida de Jornalista tem o selo da Rádio Guarda-Chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir.

[LOCUÇÃO]

Vamos aumentar a intensidade dessa chuva?

[SOM DE CHUVA E TROVÕES]

[LOCUÇÃO]

Pronto. Agora imagina um menino de 10, 11 anos, sentado numa varanda. Tá de noite, tudo escuro, chovendo muito, mas fazendo muito calor, e aquele cheiro que levanta da terra com a chuva forte, sabe? Você consegue imaginar esse cheiro? E toda hora um clarão de relâmpago.

[SOM TROVÃO]

[LOCUÇÃO]

Eu sou o Rodrigo Alves, e aquele menino na varanda era eu, ali no fim dos anos 80, na casa onde eu morava em Manaus. Essa chuvarada especificamente não tem nada a ver com esse episódio, mas eu fiquei buscando umas memórias daquela época. E eu tenho lembranças de criança, né, de ir pra escola, jogar basquete. Foi lá que eu me interessei por basquete pela primeira vez, o Brasil tinha sido campeão do Pan-Americano de Indianápolis em 87. Então minha casa tinha uma tabelinha de basquete. E eu tenho a lembrança bem clichê das árvores, dos animais. Tinha muito pássaro onde eu morava. Tipo, você tá em casa, olha pro céu e vem uma revoada de 30 araras, ou de tucanos. Isso acontecia muito. Eu lembro de uns lagartos enormes que pareciam uns dinossauros, eles entravam nos canos da casa. Eu criança ficava fascinado com aquilo. Mas como a gente tá num podcast, eu fiquei aqui tentando buscar alguma memória de áudio. E por algum motivo a minha maior memória de áudio de Manaus era esse som da tempestade na varanda.

[SOM TROVÃO]

[LOCUÇÃO]

Eu lembro que mesmo com algum medo, eu gostava de ficar ali paradinho ouvindo os trovões, é uma lembrança bem nítida. E talvez eu tenha lembrado disso porque nessa semana em que eu tava gravando esse episódio e pensando essas coisas, teve uma tempestade de raios aqui onde eu moro, no Rio de Janeiro, e eu fiz a mesma coisa, fui pra janela pra ficar ouvindo.

[SOM TROVÃO]

[LOCUÇÃO]

Eu morei em Manaus dois anos, assim como morei em outros lugares do país. Meu pai era bancário e era transferido de um lugar pro outro o tempo inteiro. Mas ali em 88… 89 talvez, não lembro… minha família se mudou de novo pro Rio, e eu nunca mais voltei pro Amazonas. E nem pra qualquer outro estado da região Norte. Tô contando tudo isso porque hoje, mais de 30 anos depois, eu vou fazer essa viagem de volta. Claro que virtualmente, porque a pandemia não dá sossego. Mas eu te convido pra fazer essa viagem comigo. Sem chuva, você viu que a chuva já parou, né? Mas com muito jornalismo, que é o que interessa aqui no Vida. A gente vai passar por cada um dos sete estados: Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins. Em cada um desses estados vai ter alguém pra receber a gente. E pra contar bastidores do jornalismo que é feito na maior região do país. Uma região que tá ali delimitada no mapa, mas não dá pra botar todos os estados no mesmo pacote, né? Cada um tem suas questões, seus dilemas. E uma coisa que une todos eles é que tem repórter de altíssimo nível em todas essas escalas que a gente vai fazer. Vamos nessa?

[SOM AEROPORTO EMBARQUE]

[LOCUÇÃO]

Vambora. E se liga porque, logo na primeira parada, você vai ter a oportunidade de comer um pequi. Ou roer um pequi, com cuidado, tá, que pequi não é pra sair enfiando os dentes não, que tem espinho, você machuca a boca. Então vai devagar. Chegando lá eu te conto melhor.

[SOM AVIÃO DECOLANDO]

[LOCUÇÃO]

A nossa primeira escala é no Tocantins. Então agora você tá em Palmas, mais precisamente na Avenida JK, a principal avenida que corta a cidade.

[SOM DAS RUAS DE PALMAS]

- Homem: Subir agora na Avenida JK

[LOCUÇÃO]

Você saiu de uma rotatória bastante movimentada e agora você tá bem em frente ao colégio São Francisco.

[SOM DAS RUAS DE PALMAS]

- Homem: Que essas rotatórias aqui, é bom, essa faixa aqui não é necessário parar. Próximo à escola São Francisco de Assis.

[LOCUÇÃO]

Tá vendo ali do outro lado da rua um outdoor bem grande? Não, você não tá vendo, porque ele não tá mais ali. Mas se essa viagem fosse em agosto de 2020, você veria esse outdoor amarelo, com a cara do presidente Jair Bolsonaro bem grandona. No nariz dele um pequi, e do lado em letras garrafais a inscrição: Não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já. Pequi, se você não sabe, é uma fruta do cerrado, e o caroço é cheio de espinhos, então você não pode morder de uma vez, você tem que ir roendo em volta. Eu aprendi isso com a influencer Musa Dumont, do Tocantins, que gravou um vídeo bem didático no Instagram.

[ÁUDIO MUSA DUMONT]

- Musa Dumont: A pessoa roeu o pequi, tem que jogar fora, porque não vale mais nada, porque o que tem dentro é só espinho. Então, não vale um pequi roído, joga fora.

[LOCUÇÃO]

E mesmo que você nunca tenha roído um pequi, você deve lembrar que o ministro da Justiça, o André Luiz de Almeida Mendonça, botou a Polícia Federal pra investigar o sociólogo Tiago Rodrigues, que foi quem mandou instalar o tal do outdoor. A alegação era de crime contra a honra do presidente da República. Agora uma semana antes desse episódio ir pro ar, o Ministério Público Federal arquivou o inquérito, porque né, não fazia o menor sentido. Mas você provavelmente não ficaria sabendo desse caso se não fosse a primeira matéria falando da investigação da PF, que saiu no Jornal do Tocantins. E o responsável por essa matéria é o nosso anfitrião em Palmas. Lailton, chegamos!

[LAILTON COSTA]

>>> Olá, Rodrigo, um prazer participar do Vida de Jornalista. Meu nome é Lailton Costa. Eu tenho 49 anos, sou tocantinense, nascido no sertão de Colinas, uma cidade a 270 quilômetros de Palmas, no Noroeste do estado. Eu trabalho no Jornal do Tocantins, fundado em 1979, e também sou colaborador do Estado de São Paulo aqui no Tocantins.

[LOCUÇÃO]

Muito bem, Laiton. Uma honra ter você aqui no Vida pra contar pra gente essa história, porque já tem tempo que esse outdoor foi instalado, e ele só ficou um mês ali em frente ao colégio, né?

[LAILTON COSTA]

>>> Mas a repercussão mesmo se deu nesse ano, quando eu revelei no Jornal do Tocantins que ele era alvo da Polícia Federal por determinação do Ministro da Justiça. Até ofereci a história ao Estadão e acabou não saindo, né. E uns dois dias depois eu publiquei no Jornal do Tocantins. Quando a matéria saiu, o Rubens Valente, né, jornalista, me acionou, conversou comigo. E assim que ele publicou a matéria, ganhou muita repercussão.

[LOCUÇÃO]

O grande Rubens Valente, um dos maiores jornalistas do país, tem uma coluna no UOL. Ele publicou a notícia no dia 17 de março, dando o crédito pro Jornal do Tocantins.

[LAILTON COSTA]

>>> Então eu considero uma realização pessoal e profissional quando o jornalismo regional consegue pautar a imprensa nacional.

[LOCUÇÃO]

E como é que tá a cobertura local no Tocantins hoje?

[LAILTON COSTA]

>>> O jornalismo regional aqui no meu estado é muito acanhado e cobre principalmente o factual, com raras reportagens.

[LOCUÇÃO]

O Jornal do Tocantins, que sempre foi impresso e há dois anos passou a ser só digital, com a pandemia teve uma redução na equipe.

[LAILTON COSTA]

>>> Hoje somos três repórteres, uma coordenadora e um editor.

[LOCUÇÃO]

E mesmo assim, além da cobertura da covid, que é muito trabalhosa, de vez em quando dá pra descobrir boas histórias, como essa do pequi roído, e uma outra reportagem que foi marcante pro Lailton.

[LAILTON COSTA]

>>> Ocorreu quando o jornal revelou o resgate de uma clandestina do Partido Comunista que viveu meio século no interior do Tocantins, a Leonor Carrato, dona Nô. Ela foi descoberta aos 100 anos por policiais civis vivendo com o nome de Maria Lídia. Ela sofreu uma tentativa de roubo e acabou revelando a história dela para os policiais. Mesmo com a anistia e a comissão da verdade ela jamais havia se revelado. Na pandemia, após tratativas da polícia com a família, ela foi resgatada, voltou para a família, mas duas semanas depois ela morreu em Minas Gerais.

[LOCUÇÃO]

Caramba, que baita história, né? É, tem muita história boa e muito jornalismo bom no país inteiro. Falando nisso, Lailton, eu vou fazer a desfeita aqui da visita rápida, não vou nem ficar pra tomar um café, porque a gente ainda tem mais seis visitas pra fazer. Então muito obrigado ao Lailton Costa, parabéns pelo trabalho

[SOM AEROPORTO EMBARQUE]

[LOCUÇÃO]

E bora subir mais nesse mapa.

[SOM AVIÃO DECOLANDO]

[LOCUÇÃO]

Nosso avião atravessou o Pará. Daqui a pouquinho a gente volta pro Pará. Mas agora a nossa escala é no Amapá. Quem será que vai recepcionar o Vida?

[LUIZA NOBRE]

>>> Oi.

Tô reconhecendo esse oi.

[LUIZA NOBRE]

>>> Meu nome é Luiza Nobre, eu sou estudante de Jornalismo da UNIFAP, sou produtora do radiojornal Café com Notícia e repórter freelancer aqui no Amapá.

Oi, Luiza, uma alegria ter você no Vida pela terceira vez. A Luiza tá em dois episódios com estudantes. Ela ainda esteve num encontro presencial com ouvintes do podcast em São Paulo e agora recentemente participou da oficina de narrativa em áudio. Só que ela não conseguiu participar de todas as aulas, porque foi em novembro de 2020, exatamente quando o Amapá passou pela crise do apagão. Você lembra?

[ÁUDIO TV DIÁRIO]

- Jair Zemberg: Hoje, quinta-feira, dia 12 de novembro, a população do estado do Amapá vive o décimo dia de apagão, que começou no início da noite de terça-feira, dia 3.

[LOCUÇÃO]

Esse é o Jair Zemberg, repórter da TV Diário.

[ÁUDIO TV DIÁRIO]

- Jair Zemberg: Quando um incêndio danificou os transformadores de distribuição de energia elétrica para todo o estado do Amapá.

[LOCUÇÃO]

Dos 16 municípios do estado, 13 ficaram no escuro, e a crise se arrastou por quase um mês, com rodízio de energia ao longo do dia, enfim, foi o caos. E a Luiza trabalhou muito durante esse mês.

[LUIZA NOBRE]

>>> Cobrir o apagão Amapá foi de longe, assim, a experiência que mais me formou como jornalista durante esse período da graduação. Estou finalizando agora. Primeiro porque eu fiquei dois dias sem ter noção do que tava acontecendo. Tava sem internet, então você tinha um murmurinho na cidade, conversas em em filas quilométricas de supermercado, de caixa eletrônico, era uma cena apocalíptica, apocalíptica. Eu levei dois dias pra conseguir caçar a energia na casa de uma amiga e carregar meu celular e usar internet. Foi na terça-feira, né, 3 de novembro, e na quinta-feira eu decidi que que eu ia me arriscar na cobertura. Eu me instalei no Ministério Público. Eu chegava lá mais ou menos 8h30, 9h da manhã, tiveram dias que eu saí meia-noite de lá. O que se falava era que tinha chovido e um raio tinha caído na sub-estação, e por conta disso 13 municípios dos 16 aqui do Amapá estavam sem energia. Além de a gente só ter a CBN no ar. Não ter televisão, não ter outra rádio, né? A rádio que eu trabalho estava fora do ar.

[ÁUDIO CAFÉ COM NOTÍCIA]

- Ana Girlene: Muito boa tarde para você que está sintonizado na 90.9, na nossa Diário FM. Finalmente estamos no ar depois de uma semana praticamente fora do ar em decorrência deste apagão.

[LOCUÇÃO]

Essa é a Ana Girlene, abrindo o Café com Notícia do dia 9, depois de seis dias sem energia e sem programa. A Luiza tava ali na bancada da rádio, de frente pra Ana.

[ÁUDIO CAFÉ COM NOTÍCIA]

- Ana Girlene: Com consequências ainda não mensuradas e explicações ainda muito mal dadas.

[LUIZA NOBRE]

>>> E por conta disso, por conta de todas essas dificuldades, a gente não conseguia repassar informação para fora do Amapá. Então, nos primeiros dias, o próprio jornalismo nacional não conseguia dimensionar o que tava acontecendo, as pessoas não tinham noção.

[LOCUÇÃO]

Eu lembro que as grandes TVs, os grandes portais, demoraram pra dar destaque pro assunto nos primeiros dois dias, até tinha alguma cobertura, mas não tinha muito destaque, porque realmente não tinha muita informação, e também porque, sim, boa parte da mídia do Sudeste olha muito pouco pra outras regiões. Ainda era época da eleição americana, os portais só destacavam isso, e o Amapá demorou pra ganhar espaço no noticiário. Mas a Luiza tava lá, trabalhando muito, dormindo pouco, comendo pouco…

[LUIZA NOBRE]

>>> Perdi muito peso nesses 20 dias de apagão, mas eu passava o dia na rua. Nos primeiros dias eu tive muita apuração, muita apuração, entrevistando procuradores, entrevistando todo e qualquer especialista. Mas onde eu consegui assim mais material e um material diferente foi indo pra rua. E foi acho que a primeira vez que eu realmente me joguei na rua.

[LOCUÇÃO]

E nesse cenário sem luz e no meio da pandemia, a Luiza acabou produzindo não só localmente, mas pra outros veículos. Até fotografias pra agência Getty ela fez.

[LUIZA NOBRE]

>>> Sim, teve um dia específico que eu tava cobrindo para a Getty Images, e eu saí 5h da manhã de casa, pra fazer foto na sub-estação. E de lá, do caminho da sub-estação, que é na saída da cidade de Macapá, eu vim andando em todos os bairros das proximidades da sub-estação, entrevistando as pessoas, e foi aí que eu entrevistei o seu Edmário.

[ÁUDIO ENTREVISTA COM SEU EDMÁRIO]

- Luiza Nobre: Na panificadora do seu Edmário. Seu Edmário, conte aqui para a imprensa nacional, como é que o senhor está se sentindo.

- Seu Edmário: Indignado. Nervoso. Porque é inadmissível o estado passar a situação que está passando. É culpa dos políticos.

[LUIZA NOBRE]

>>> Com a entrevista do seu Edmário, eu consegui viabilizar muitas coberturas, assim, com o The Intercept, dialogar com a Folha de São Paulo, com a GloboNews…

[LOCUÇÃO]

O vídeo da entrevista foi exibido até no Encontro, programa da Fátima Bernardes. E a Luiza ainda fazia a ponte pra outros veículos de outras regiões, muita gente procurava ela. Eu mesmo ficava falando com ela pelo Whatsapp, até porque ela tava inscrita na oficina, mas eu dei uma segurada, porque eu senti que ela realmente tava muito sobrecarregada.

[LUIZA NOBRE]

>>> Eu fotografei, eu filmei, eu editei, eu fiz vídeo, eu fiz entrevista. Eu acho que entrevistei, acho não, eu entrevistei mais de 40 pessoas nesses 20 dias. Foi muito desgastante, eu tive, eram dias, assim, que eu tive crises horríveis de ansiedade, no escuro, mas eu também não podia deixar de atender a imprensa, porque eu sentia que se eu deixasse de responder aquilo, eu estaria falhando com o meu estado. Então, eu assumi muito aquele lugar de porta-voz. Me empoderou como jornalista amazônida, jornalista no Amapá, e me confirmou a certeza de que se a pessoa não vivencia o que a Amazônia, não vivencia o que é o Amapá, não se apodera disso, ela nunca vai saber contar a nossa história. E se eu posso fazer isso, se eu tenho propriedade pra fazer isso, eu vou fazer e eu preciso fazer.

[LOCUÇÃO]

Bom, não é à toa que a Luiza tá aqui no Vida pela terceira vez, e certamente não vai ser a última. Muita admiração pelo trabalho dela e por essa consciência sobre o que é o jornalismo. E essa mulher ainda nem se formou, hein, imagina o que vem por aí. Luiza, obrigado mais uma vez. Eu vou sair agora do Amapá, e vou levar você que tá ouvindo — tá gostando da viagem até agora? Segura aí que tem muito mais.

[SOM AEROPORTO EMBARQUE]

[LOCUÇÃO]

Vou levar você pro estado que fica mais ao norte na região Norte.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Aquele estado mais em cima assim, no mapa…

[SOM AVIÃO POUSANDO]

Isso aí, pousando em Roraima, e você viu que já tem gente esperando em Boa Vista.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Oi, Rodrigo, oi pessoal do Vida, tudo bem?

[LOCUÇÃO]

Tudo ótimo, Vanessa, bem-vinda ao podcast.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Tô muito contente em participar desse episódio, dessa viagem que o Rodrigo tá fazendo aqui pela região Norte.

[LOCUÇÃO]

Eu que tô adorando. Conta um pouquinho pra gente sobre você.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Eu sou a Vanessa Vieira, sou jornalista há dez anos, né, atuo em redação há dez anos.

[LOCUÇÃO]

E há dois anos ela começou um projeto pessoal…

[VANESSA VIEIRA]

>>> Que é um site chamado Correio do Lavrado, que é meu e de um colega meu jornalista, chamado João Paulo Pires. O Correio ele foca bastante em questões mais humanitárias. A gente fala muito sobre imigração, que é um assunto muito recorrente aqui em Roraima nos últimos anos.

[LOCUÇÃO]

Então, é uma cobertura específica sobre migração venezuelana que eu queria que a Vanessa dividisse os bastidores aqui com a gente.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Espero que o áudio aqui onde eu estou esteja bom.

[LOCUÇÃO]

Tá ótimo, fica tranquila.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Eu tô aqui do lado de fora da minha casa, então talvez algum passarinho interrompa.

[LOCUÇÃO]

Bom, passarinhos sempre muito bem-vindos, já tô nessa expectativa inclusive. Tudo certo, Vanessa, vamos lá.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Há uns cinco, seis anos atrás, a gente começou a perceber uma presença muito grande de venezuelanos aqui em Roraima, principalmente nos supermercados, vindo comprar mantimentos, alimentos, né, itens de higiene pessoal. Indígenas venezuelanos, especialmente da etnia warao. Essas pessoas ficavam nos semáforos, pedindo alguma ajuda financeira. E geralmente estavam com crianças no colo. Então essas pautas se tornaram muito frequentes. E receber pessoas numa situação de vulnerabilidade, que estavam muitas vezes sem dinheiro, sem ter o que comer. Tudo isso afetou muito o serviço público aqui em Roraima.

[LOCUÇÃO]

Você que tá ouvindo deve lembrar de ver matérias sobre conflitos alguns anos atrás, umas cenas bem tristes de venezuelanos sendo expulsos por brasileiros.

[ÁUDIO VENEZUELANOS EXPULSOS]

- Mulher: A população veio até a parte de imigração aqui na fronteira, e o Exército está segurando até que os venezuelanos todos saiam da imigração. Todos indo para seu país, todos sendo expulsos.

- Homem: Aqui tem uma guarda bem alterada.

[LOCUÇÃO]

No meio desse cenário sempre tenso, em 2019 a Vanessa inscreveu e teve aprovado um projeto de reportagem num edital da Jeduca, a Associação de Jornalistas de Educação, pra investigar o impacto da migração venezuelana nas escolas públicas de Roraima.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Então eu tive a oportunidade de conhecer, de visitar escolas aqui em Boa Vista, na capital, e em Pacaraima, que é o município que faz fronteira com a Venezuela. Conheci alunos, pais de alunos, venezuelanos, professores, conheci gestores, pessoas que independente da nacionalidade, independente do idioma que falam, têm o mesmo objetivo, que é oferecer educação e ter acesso a educação.

[ÁUDIO ALUNO CANTANDO]

- Aluno venezuelano cantando música em castelhano.

[LOCUÇÃO]

A Vanessa fez quatro reportagens, que tão no ar no Correio do Lavrado, você encontra fácil no Google buscando pelo título: Boom de alunos venezuelanos impõe nova realidade às escolas públicas de Roraima. E sempre focando nas pessoas, nas histórias, como foi o caso marcante do pai de uma aluna de 5, 6 anos, e o que ele fazia pra levar a menina pra escola todo dia.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Eles moravam em Santa Helena, que é o município venezuelano, né, que faz fronteira, né, fica ali na fronteira dos dois países. E todos os dias esse pai e a filha atravessavam a fronteira de carro, e ela vinha estudar. Depois ele voltava pra trabalhar. Quando era perto do horário do almoço, ele voltava a Pacaraima pra buscá-la e depois eles iam pra casa. Por dia, ele andava, pelo menos, uns 80 oitenta quilômetros só pra levar e buscar a filha dele com segurança, para que ela tivesse acesso à educação aqui no Brasil. E ele tinha um acordo com o chefe dele, que esse tempo que ele saía do trabalho e ia buscar a filha dele e voltava, ele pagava essas horas no final de semana.

[LOCUÇÃO]

E além das crianças, tinham os alunos adolescentes também.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Eu também conversei com alguns alunos que moravam em Santa Helena também, e todos os dias eles atravessavam a fronteira em vans escolares. E quando a fronteira estava fechada em 2019, esses alunos atravessavam por rotas clandestinas. Que eles não podiam pegar a van, então eles só podiam ir de van até determinado trecho. Depois atravessavam a pé para poder chegar à escola.

[LOCUÇÃO]

Esse esforço dos alunos e dos pais era também o esforço dos professores e dos gestores das escolas.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Então algumas escolas tiveram que desativar salas de informática, sala de leitura, pra transformar em sala de aula. Em Pacaraima uma escola… eles compraram com o dinheiro do próprio bolso aquelas mesas de plástico pra os alunos terem onde estudar. É sempre um esforço muito grande pra ter acesso a um direito tão básico.

[LOCUÇÃO]

Essa foi uma reportagem que fez a Vanessa conhecer essa realidade bem de perto.

[VANESSA VIEIRA]

>>> E que me fez ter a certeza mais uma vez de que a educação é o caminho pro futuro. E que essas pessoas, independente da cultura, independente da nacionalidade, todas as pessoas precisam ter direito à educação. Isso aí foi algo que ficou muito gravado em mim.

[LOCUÇÃO]

Que bom, Vanessa, muito obrigado por dividir essa experiência com a gente aqui no Vida.

[VANESSA VIEIRA]

>>> Obrigada mais uma vez e beijão.

[LOCUÇÃO]

Ficou devendo os passarinhos, né, não rolou. Tudo bem, eu vou pagar essa dívida pra você, vou botar aqui um passarinho fake, peraí.

[ÁUDIO PASSARINHOS]

[LOCUÇÃO]

Pronto, agora sim, tudo certo, vamos em frente.

[SOM AEROPORTO EMBARQUE]

[LOCUÇÃO]

Eu vou continuar pelas bordas da região Norte, vou deixar por último Pará e Amazonas, que tão ali no miolo, e a gente segue no mapa no sentido anti-horário, rumo ao Acre.

[SOM AVIÃO DECOLANDO]

[ÁUDIO FRONTEIRA — AMAZÔNIA REAL]

- Imigrantes haitianos tentando atravessar a fronteira Brasil-Peru.

[LOCUÇÃO]

Assim como em Roraima, a pauta da migração também é muito forte no Acre, e em fevereiro estourou uma crise na fronteira com o Peru.

[ÁUDIO FRONTEIRA — AMAZÔNIA REAL]

- Imigrantes haitianos tentando atravessar a fronteira Brasil-Peru.

[LOCUÇÃO]

Esse áudio que você tá ouvindo é de um material em vídeo da agência Amazônia Real, uma reportagem do Fábio Pontes, que documentou o momento em que imigrantes principalmente haitianos furam o bloqueio policial e atravessam a fronteira pra voltar pro Peru. O Fábio, que tava ali no meio da confusão em fevereiro, agora é o nosso anfitrião em Rio Branco.

[FÁBIO PONTES]

>>> Olá, Rodrigo, tudo bom?

[LOCUÇÃO]

Oi, Fábio, seja bem-vindo. Conta um pouquinho de você pra gente.

[FÁBIO PONTES]

>>> Sou jornalista acreano. Eu sempre tenho como foco na minha cobertura as questões amazônicas, ambiental, indígena, de imigração, a questão das crises de imigração que nós temos aqui nessa região de fronteira, né, da tríplice fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru.

[LOCUÇÃO]

O Fábio colabora com a Amazônia Real e trabalha como freelancer para vários veículos, já escreveu pra Folha de São Paulo, BBC Brasil, Veja, Valor Econômico, revista Piauí. E no fim de fevereiro ele foi pro município de Assis Brasil, que fica a 300 quilômetros da capital, pra reportar a crise migratória.

[FÁBIO PONTES]

>>> Se dez anos atrás as pessoas estavam usando essa fronteira aqui pra entrar no Brasil, hoje o movimento é inverso. Elas usam pra sair do Brasil. O problema é que com a pandemia agora as fronteiras estão fechadas. O Peru, que é a rota de saída, pela estrada do Pacífico, não deixa ninguém passar. Então criou-se aquela aglomeração migratória ali na fronteira. E chegou ao ápice ali no dia 16 de fevereiro, né, com aquele confronto entre os imigrantes, com a polícia peruana. Na qual eu estive lá.

[ÁUDIO FRONTEIRA — AMAZÔNIA REAL]

- Fábio Pontes: Nós estamos bem no meio aqui da fronteira mesmo, do marco da fronteira entre Brasil e Peru.

[FÁBIO PONTES]

>>> Com a com o apoio da Amazônia Real, né, que bancou todos os custos pra que nós, eu e o repórter fotográfico, Alexandre Noronha, pudéssemos estar lá.

[ÁUDIO FRONTEIRA — AMAZÔNIA REAL]

- Fábio Pontes: Sai daí, pô, sai daí. Olha aí, olha aí, eles estão avançando. Olha só, aqui, eles estão jogando bombas aqui, jogando bomba aqui na direção da imprensa.

[FÁBIO PONTES]

>>> Nós tínhamos que estar ali naquele local pra realmente vivenciar o que aquelas pessoas estavam vivendo em cima de uma ponte. Crianças, mulheres, algumas grávidas, idosos, uma situação totalmente desumana, né?

[LOCUÇÃO]

E esse foi só um dos problemas graves que o Acre enfrentou nesse início de ano.

[ÁUDIO TV CULTURA]

- Joyce Ribeiro: Sem dinheiro para tratar pacientes de covid, dar abrigo às vítimas das enchentes e combater um surto de dengue, o Acre enfrenta uma das piores crises do estado.

[FÁBIO PONTES]

>>> E aí ao mesmo tempo que nós tínhamos essa crise humanitária migratória, nós também tínhamos uma crise local, também humanitária, que era a questão das enchentes.

[ÁUDIO TV CULTURA]

- Repórter: Mais de 120 mil pessoas foram atingidas pelas enchentes. A defesa civil contabiliza 6 mil famílias desabrigadas.

[FÁBIO PONTES]

>>> Acho que foi a minha primeira cobertura de enchente no Acre na qual eu não pude colocar os pés na água. Eu tive que fazer tudo remotamente, porque a gente não tinha condições de viajar, já que a pandemia não permitia.

[LOCUÇÃO]

E aí o jeito é fazer a apuração mesmo de longe.

[FÁBIO PONTES]

>>> Ouvindo as pessoas, pegando os dados oficiais, da Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Governo do Estado. Já que nós não podíamos estar lá. Cidades inteiras debaixo d’água, e infelizmente a gente não teve oportunidade de ir lá, justamente pra preservar nossas vidas nesse momento de pandemia. Foi de fato, assim, uma cobertura bem desafiadora. Aquele trabalho que eu fazia de tão perto, entrar numa embarcação, entrar numa canoa, colocar os pés na água, ouvir as famílias que estavam ali morando mesmo com a água dentro das suas casas. Então, esse trabalho não pude fazer. Eu não consegui fazer. Mas conseguimos dar visibilidade ao que estava acontecendo aqui.

[LOCUÇÃO]

É, sem dúvida conseguiram, fruto de muito trabalho, com todos esses temas, covid, enchentes, surto de dengue, crise migratória. A gente torce pra que o cenário fique um pouco mais tranquilo, Fábio, mas eu sei que você continua aí na luta.

[FÁBIO PONTES]

>>> Vamos continuar resistindo nesse momento de pandemia, e após a pandemia também.

[LOCUÇÃO]

Obrigado ao Fábio Pontes, parabéns pelo trabalho. Vamos seguir nossa viagem, mas antes vamos dar uma respirada no intervalo, eu vou te contar um bastidorzinho desse episódio e vou fazer um breve desvio de rota, não tão breve assim, tá, vou sair da norte e vou dar um pulo no Nordeste.

[MÚSICA INTERVALO]

[LOCUÇÃO]

Nossa escala inesperada no Nordeste é no Cariri, pra te indicar os cearenses do Budejo, podcast parceiro do Vida na Rádio Guarda-Chuva. Budejo tá com um episódio fantástico atrás do outro. Teve um agora recente sobre política com a Natália Bonavides, e antes desse rolou um áudio-documentário incrível sobre o Padre Cícero.

[ÁUDIO BUDEJO]

- Luan Alencar: Cícero Romão Batista nasceu em 24 de março de 1844, na cidade de Crato, Ceará. Sua relação com a religiosidade começa cedo. Aos 12 anos, faz voto de castidade, e aos 21 ingressa no seminário da Prainha, em Fortaleza.

[LOCUÇÃO]

Então já sabe, acabando aqui, pula pro Budejo e pros podcasts da Rádio Guarda-Chuva.

[MÚSICA INTERVALO]

[LOCUÇÃO]

O bastidor desse episódio, eu prometi que eu vou sempre contar um bastidorzinho no intervalo, né? Então, aquele barulho de chuva que você ouviu logo no início, lembra? A tempestade em Manaus.

[SOM DE TROVÃO]

[LOCUÇÃO]

Pois é, aquele áudio eu montei juntando cinco tempestades separadas. Tem um som de chuva no fundo, a água caindo, e cada trovão é de um temporal diferente. Fui montando o quebra-cabeça no programa de edição, pra parecer que o raio tava caindo na hora certa, né, nos intervalos das falas.

[SOM DE TROVÃO]

[LOCUÇÃO]

E eu levei mais de uma hora pra montar aqueles dois minutos e meio. Pra quem gosta de saber como é edição de podcast, essa é uma pequena amostra, jovem. Esse negócio dá trabalho. Mas vamos em frente, que a nossa viagem pelo Norte ainda tem três paradas. A gente já ouviu sobre pequi roído no Tocantins, o apagão no Amapá, a migração venezuelana em Roraima, a crise na fronteira e as enchentes no Acre. E agora na reta final a gente vai entender as dores da cobertura da pandemia. E eu vou aproveitar uma das poucas vantagens de viajar virtualmente, que é poder pousar em dois lugares ao mesmo tempo: Rondônia e Pará.

[SOM AVIÃO DECOLANDO]

[LOCUÇÃO]

Eu vou chamar aqui pro Vida duas repórteres de televisão que têm muito prestígio, muita experiência, e as duas trabalham em afiliadas da Globo.

[IULE VARGAS]

>>> Então, eu me chamo Iule Vargas.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Olá, eu sou a Cristiane Prado.

[LOCUÇÃO]

Prazer receber as duas aqui. Quero que vocês contem mais um pouquinho de vocês, começando pela Iule.

[IULE VARGAS]

>>> Eu sou de Rondônia e moro na capital do estado, Porto Velho, onde trabalho como repórter da afiliada Globo, aqui, no estado, que é a Rede Amazônica, e também sou professora universitária na área de comunicação.

[LOCUÇÃO]

E a Cristiane é repórter da TV Liberal em Altamira, no Pará.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Sou responsável pela cobertura jornalística em toda a região da Transamazônica e Xingu há mais de 20 anos.

[LOCUÇÃO]

As duas estão acostumadas a cobrir todo tipo de assunto. Cristiane por exemplo acompanhou todas as questões da usina de Belo Monte e o impacto pras comunidades indígenas.

[ÁUDIO BELO MONTE]

- Mulher indígena: Então, o Rio é nossa vida. Se o rio secar, a gente morre junto.

[LOCUÇÃO]

E a Iule faz muito jornalismo comunitário, muito contato com a população. Bom, pra quem ouviu os episódios de abertura da temporada com a Bianka Carvalho e o Márcio Canuto, é aquela pegada, com empatia, com bom humor.

[ÁUDIO MEMES]

- Iule Vargas: Existe algum meme que resume teu ano de 2020?

- Mulher: Assim, um meme específico eu não lembro, mas tem aquele que faz aquele:

- Meme: Oh no, oh no, oh no no no no no.

- [Meme Oh No]

- Iule Vargas: (risadas) Peraí, mulher, volta aqui.

[LOCUÇÃO]

Mas apesar do bom humor, ao longo do último ano teve muito assunto pesado pra cobrir na rua. Então agora que você já ouviu as vozes da Iule e da Cristiane, eu vou deixar as duas contarem como tem sido a cobertura da pandemia, em Rondônia e no Pará.

[IULE VARGAS]

>>> Vamos lá, né? Falar um pouquinho de como que é, de como tem sido, de como… dos desafios, né? De trabalhar nessa pandemia.

[LOCUÇÃO]

Boa, Iule, você começa, a Cristiane já emenda, e a gente vai ouvindo as duas.

[IULE VARGAS]

>>> Tem muita gente, né, principalmente meus alunos, perguntam pra mim assim: como que é fazer a cobertura jornalística numa pandemia. A resposta é simples: não sei. Todos os dias a gente acaba descobrindo uma maneira nova de fazer a comunicação nesse período.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Eu jamais poderia imaginar o desafio que me esperava, que era a cobertura jornalística durante um período de pandemia, em uma região de extremas dificuldades, onde há escassez de recursos.

[IULE VARGAS]

>>> No começo, foi aquele incerto, foi o duvidoso, no começo foi o mistério, né? Nunca, pelo menos minha geração nunca a gente viveu uma pandemia.

[CRISTIANE PRADO]

>>> E no início da pandemia isso foi muito chocante pra nós. Era algo que nós nunca havíamos testemunhado.

[IULE VARGAS]

>>> E daí, como que faz uma cobertura, como que entrevista uma pessoa, então, todos os dias eram eram desafios e acabou que nós nos adaptamos, né, a uma rotina e também a essa nova forma de fazer a comunicação.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Mas nós contornamos essas situações e conseguimos nesse último ano dar uma dimensão da pandemia nessa região, fazer um recorte dos problemas, das adversidades.

[IULE VARGAS]

>>> Acredito que o grande segredo nesse período é, principalmente, a gente não perder a sensibilidade e a empatia com o próximo, né?

[CRISTIANE PRADO]

>>> E muitas vezes tivemos também a tristeza de relatar dezenas de mortes, pessoas que ficaram na lista de espera por leitos e não tiveram sequer a chance de ter um tratamento de terapia intensiva, morreram antes disso. E também tínhamos aquele receio: como trabalhar e preservar a nossa saúde?

[IULE VARGAS]

>>> O maior desafio é a gente entender que tá todo mundo um pouco, entre aspas, né, surtado, irritado, entediado. Quando a gente pensa que aparece uma luz no fim do túnel, parece que zera tudo novamente.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Passamos a adotar cuidados mais rigorosos, o uso frequente da máscara, a higienização constante das mãos e dos nossos equipamentos. E mesmo assim, o meu colega de trabalho, cinegrafista, chegou a adoecer, precisou se afastar, e no período em que ele esteve se recuperando da covid eu tive que trabalhar sozinha, fazendo as entradas ao vivo. Eu classifico como uma das maiores dificuldades a própria apuração.

[IULE VARGAS]

>>> De poder passar a informação com verdade, com ética e imparcialidade, porque infelizmente muitas pessoas ainda não estão acreditando nessa doença, né? Muitas pessoas ainda acham que é excesso de comunicação que é excesso midiático tudo que vem sendo divulgado.

[CRISTIANE PRADO]

>>> E entendemos o valor que é informar. Informar da forma correta, checada, bem apurada, fazer um trabalho de qualidade que ajuda a salvar vidas. Nesse contexto de pandemia, numa região remota, em que a comunicação ainda é deficiente, muitas vidas foram poupadas quando a informação chegou a quem realmente precisava.

[IULE VARGAS]

>>> De antemão, cuidado com as fake news, de antemão investigar, apurar se realmente aquela fonte é segura.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Muitos negacionistas usaram fake news pra desconstruir o trabalho de profissionais de saúde. Mas a imprensa com seu papel diário, persistente, conseguiu muitas vezes desfazer o poder das fake news.

[IULE VARGAS]

>>> Todos os dias eu digo que é uma oportunidade de aprender. E todos os dias eu tenho aprendido, cada vez mais.

[CRISTIANE PRADO]

>>> Teve uma situação que eu testemunhei aqui na região do Xingu, que foi a cobertura da vacinação dos indígenas. Logo que as doses… as primeiras da Coronavac chegaram aqui para a imunização dos indígenas aldeados, eles tiveram acesso por rede social a fake news. E, por isso, alguns líderes não quiseram aceitar a aplicação. E os profissionais da saúde indígena tiveram que fazer um grande esforço para desconstruir essa lavagem cerebral que foi feita pela fake news, né?

[IULE VARGAS]

>>> A gente só vai poder dizer como é cobrir uma pandemia quando tudo isso passar. Do contrário, todo esse período são experiências, do contrário são exemplos, são tentativas, né?

[CRISTIANE PRADO]

>>> Então nós vemos neste momento o quanto é importante disseminar a informação correta, bem apurada e precisa, para que as pessoas usem essa informação a seu favor, para que se protejam, para que cuidem da vida e cuidem dos seus familiares da melhor forma possível.

[IULE VARGAS]

>>> Mas principalmente ter a humildade que todos os dias é um recomeço, e tão quanto o recomeço é um aprendizado.

[LOCUÇÃO]

Obrigado, Iule, obrigado Cristiane. Muito bom ouvir vocês duas e perceber como as impressões são parecidas, né, mesmo em estados diferentes, e uma não sabia que a outra ia estar no episódio, os depoimentos foram separados, eu é que agora fui costurando na edição, porque as observações se encaixam, né? Jornalismo é jornalismo em todos os lugares. E agora a gente vai fechar a nossa viagem.

[SOM AEROPORTO EMBARQUE]

No mesmo lugar onde o episódio começou.

[SOM AVIÃO DECOLANDO]

Quer dizer, não exatamente na varanda da minha casa em Manaus. Será que ainda existe aquela casa? Bom, não sei, eu nem lembro o endereço. Mas enfim, deixa pra lá. Nosso anfitrião no Amazonas já tá por aqui.

[LEANDERSON LIMA]

>>> Meu nome é Leanderson Lima, eu tenho 40 anos e atuo como jornalista profissional há dezoito anos. E sou repórter da Agência Amazônia Real.

[LOCUÇÃO]

Bem-vindo ao Vida, Leanderson. E bom, de novo a gente volta à Amazônia Real, uma agência que já passou pelo Vida várias vezes. Não só na matéria que o Fábio Pontes citou ainda há pouco. Mas na primeira temporada tem episódio com a Kátia Brasil, que é uma das fundadoras. No ano passado teve a Emily Costa contando bastidores de uma baita reportagem que localizou os corpos dos bebês yanomami em Roraima. Enfim, se você ainda não conhece a Amazônia Real, por favor, é uma das maiores agências de jornalismo do país, cobre a região Norte inteira, com correspondente em tudo que é lugar, reportagens investigativas de primeiríssimo nível, recomendo demais. E se você procurar lá, tem um monte de matérias do Leanderson porque, olha, o que aconteceu de coisa em Manaus nos últimos meses…

[LEANDERSON LIMA]

>>> Assim, eu sou fã de literatura apocalíptica, né, de filmes apocalípticos, aquela coisa de fim do mundo, mas eu acho que nenhum roteirista de cinema, nenhum escritor conseguiria escrever um roteiro tão bizarro como aconteceu em Manaus.

[CLIPE MANCHETES MANAUS]

- Manaus vive uma situação absolutamente dramática

- O oxigênio foi parando, os pacientes foram agonizando nas macas, as enfermeiras não sabiam o que fazer.

- Os cilindros de oxigênio que chegam nos hospitais de Manaus são carregados por familiares dos pacientes internados com covid.

- Desde ontem, internados com covid-19 começaram a ser transferidos para outros estados.

- A variante que surgiu em Manaus consegue driblar o nosso sistema imunológico, de acordo com esse estudo.

- Em Manaus, duas irmãs gêmeas, filhas de um empresário da cidade, postaram em uma rede social fotos delas sendo vacinadas.

- As duas irmãs foram nomeadas a cargos públicos numa unidade básica de saúde que leva o nome do pai delas horas antes da imunização.

- A capital do Amazonas está expondo ao Brasil e ao mundo as consequências do descontrole da pandemia do coronavírus.

[LEANDERSON LIMA]

>>> Fui chamado, né, pra trabalhar, pra fazer um freelancer pra agência Amazônia Real. E eu fiz uma reportagem sobre a distribuição do chamado kit de tratamento precoce, que a Prefeitura de Manaus tava fazendo, distribuindo ivermectina, aquela coisa toda.

[ÁUDIO JOVEM PAN NEWS]

Apresentador: O Ministério da Saúde pressiona Manaus a oferecer remédios sem comprovação científica para tratamento da covid-19.

[LEANDERSON LIMA]

>>> Isso foi no dia 13, né, publiquei essa reportagem ainda no dia 13, e no dia seguinte aconteceu o colapso do oxigênio. Eu entrei nessa cobertura, e a situação aqui em Manaus foi assim, digna de filme o que aconteceu. Primeiro porque você tinha um colapso na produção do oxigênio, e você já tinha um colapso na rede hospitalar. Então tinha muita gente em casa, tentando se tratar em casa. As pessoas compravam cilindros, cilindros que chegavam a ser vendidos, assim, por 7 mil reais. Corriam nas fábricas de oxigênio, né, nas empresas que produziam oxigênio medicinal.

[ÁUDIO NA FILA PARA COMPRAR OXIGÊNIO]

- Mulher: Gente, essa aqui é a fila, tá, a gente tá aqui na Nitron, acabei de chegar aqui. Essa aqui é a fila que tá rolando aqui pra galera tentar conseguir oxigênio, fazer a recarga. Tem gente que tá aqui desde ontem pra conseguir pelo menos encher um pequeno.

[LEANDERSON LIMA]

>>> E uma das pessoas que eu entrevistei, que perdeu o sogro e a sogra, uma psicóloga chamada Talita Rocha, ela disse isso: foi como se eu estivesse vivenciando o fim do mundo. Foi um vídeo dela que viralizou, pedindo socorro, revelando que tinha acabado o oxigênio de uma ala inteira.

[ÁUDIO PSICÓLOGA]

- Talita Rocha: Pessoal, eu peço misericórdia de vocês, nós estamos numa situação deplorável. Simplesmente acabou o oxigênio de toda uma unidade de saúde.

[LEANDERSON LIMA]

>>> E aí esse vídeo correu o mundo, eu a entrevistei, ela perdeu o sogro e a sogra no intervalo de 20 dias, sendo que sogra morreu especificamente após esse episódio do dia 14, que ficou conhecido aqui como o dia da asfixia.

[LOCUÇÃO]

Nossa, imagina o desespero, né. E a partir dessa história do oxigênio, o Leanderson começou a trabalhar de forma definitiva para Amazônia Real. Ele também trabalha no esporte, como comentarista na TV A Crítica, mas essa cobertura da pandemia vai ficar muito marcada.

[LEANDERSON LIMA]

>>> Assim, eu posso dizer pra vocês com todas as letras, nunca imaginei nada nesse gênero, nessa linha. Foi assim, marcante demais, foi marcante demais participar dessa cobertura, estar participando ainda, né, porque não acabou. Eu perdi dois amigos, jornalistas, os dois com 44 anos. As redes sociais, né, a minha, por exemplo, posso dizer que virou uma espécie obituário. Eu entrava na rede social, e todo mundo que eu conhecia alguém perdeu alguém, ou pai ou mãe, teve gente que teve a família inteira dizimada. Então, eu acho que foi o momento, assim, mais dramático da minha carreira poder fazer essa cobertura.

[LOCUÇÃO]

É, eu imagino, Leanderson. Parabéns pelo trabalho, obrigado por dividir um pouco dessa experiência aqui com a gente. E você que ouve o Vida sabe que eu geralmente tento descontrair um pouco, jogar um pouco pra cima, né, eu fiz isso na abertura da temporada com dois episódios pra gente respirar e até se divertir. Mas é duro, viu. Não dá pra ignorar que a pandemia tem um impacto direto no jornalismo, então esse episódio é uma homenagem a todos os colegas de profissão que tão aí nesse esforço diário pra cobrir a covid e todos esses assuntos que a gente ouviu aqui hoje na nossa viagem. O jornalismo na linha de frente.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Muito obrigado ao Lailton Costa, à Luiza Nobre, à Vanessa Vieira, ao Fábio Pontes, à Iule Vargas, à Cristiane Prado, ao Leanderson Lima… e claro, a você que viajou com a gente até aqui. Eu virtualmente agora volto pro Rio de Janeiro… olha aí o último som de avião, hein. Mas eu volto com a certeza de que a região Norte tá muito bem servida de jornalismo, e com a promessa de que o Vida ainda vai rodar bastante por outras regiões do país.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Nesse episódio você ouviu áudios de TV Diário e Diário FM do Amapá, Correio do Lavrado, Amazônia Real, GreenPeace Brasil, Rede Amazônica, TV Liberal, TV Globo, Jovem Pan News, TV Record, Band e TV Cultura. Os sons das ruas de Palmas, lembra?

[ÁUDIO RUAS DE PALMAS]

- Homem: Subir agora na Avenida JK

[LOCUÇÃO]

Foram tirados dos canais Viajar é Arte e Karllos Moreno no YouTube.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Me conta o que você achou do episódio no Twitter e no instagram, a @ é vida_jornalista. Se você quiser fazer a oficina de narrativa em áudio do Vida vai ter turma nova em junho, manda logo um e-mail pra podcastvidadejornalista@gmail.com pra eu te colocar na lista de espera e, claro, se você puder, pensa com carinho em apoiar o podcast mensalmente, os planos tão no Catarse ou no PicPay, é só buscar por Vida de Jornalista. Eu volto daqui a duas semanas, no dia 21 de abril. Um beijo, um abraço, e até lá!

[MÚSICA]

[FIM DO EPISÓDIO]

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Written by Vida de Jornalista

Um podcast sobre jornalismo. Por Rodrigo Alves

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