#100 — Diversidade e inclusão no jornalismo

Episódio do podcast Vida de Jornalista publicado em 20/10/2021. Veja aqui a íntegra do roteiro

Vida de Jornalista
41 min readOct 20, 2021

Por Rodrigo Alves

Card do episódio do Vida com o título Diversidade e inclusão no jornalismo em letras azuis. Abaixo #100 e a logo do Vida (um quadrado com bordas azuis, e aspas em azul escuro na parte de cima e de baixo da borda. Ao centro da logo, a inscrição Vida de Jornalista). O fundo do card é em textura de papel amassado.

O episódio em áudio está na Orelo, na Deezer, no Spotify, na Apple, no Castbox ou no seu aplicativo preferido (basta buscar por Vida de Jornalista).

O roteiro do episódio na íntegra:

[INÍCIO DO EPISÓDIO]

[LOCUÇÃO]

Me conta uma coisa.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

- Quantas pessoas com deficiência tem na redação onde você trabalha?

- Quantos indígenas fazem jornalismo na sua faculdade?

- Você já trabalhou com uma pessoa trans na sua equipe?

- Quantas mulheres negras você já entrevistou no seu podcast?

- O pessoal que trabalha com você mora em regiões centrais ou periféricas da cidade?

- O seu ambiente jornalístico é um ambiente confortável pra gays, lésbicas e bissexuais?

- Na sua agenda de fontes, quantos especialistas são de fora do Sudeste?

- O conteúdo que você produz pode ser consumido por pessoas surdas ou cegas?

- Quantos chefes negros ou negras você já teve?

[FIM DA MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Tá pensando? Desculpa começar jogando essas perguntas todas no seu colo. Eu não dei nem oi, né, então vamos lá. Oi, eu sou o Rodrigo Alves, e esse é o episódio 100… do Vida de Jornalista.

[VINHETA RÁDIO GUARDA-CHUVA]

[Voz feminina acompanhada do som de um guarda-chuva abrindo]

O Vida de Jornalista tem o selo da Rádio Guarda-Chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir.

[LOCUÇÃO]

Esse episódio é bem importante pra mim, não só por ser o número 100. Aliás, na prática o Vida tem mais de 140 episódios no ar, se a gente contar os bônus, a série Memórias, a série Vidas Paralelas. Mas na sequência numerada bonitinha dos episódios tradicionais, esse é o número 100. É também o encerramento da terceira temporada. E é um episódio que eu queria fazer há muito tempo, um documentário em áudio sobre diversidade e inclusão no jornalismo.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Um documentário em áudio e em texto, porque a transcrição completa tá no link que tá descrição, e isso vale pra todos os outros episódios da temporada, tudo que você ouve aqui tá transcrito em texto também. Bom, se você é ouvinte do Vida você sabe que esse tema da diversidade já passou por aqui várias vezes ao longo desses três anos, mas hoje é um pouco diferente. Hoje eu chamei mais de dez pessoas pra gente conversar sobre esse tema, e mais que isso, pra gente tentar deixar aqui um episódio que aponte pra você alguns caminhos pra um jornalismo mais diverso e inclusivo. E isso vale pra você que trabalha numa grande redação, ou numa pequena redação, pra você que produz conteúdo independente, pra você que ainda tá na graduação, ou pra você que nem é do jornalismo, mas quer entender sobre os rumos da profissão. Eu te garanto que vai ter muita gente boa por aqui hoje.

[CLIPE COM FALAS DOS ENTREVISTADOS]

- Kátia Brasil: Com a diversidade imensa de etnias indígenas, quilombolas e ribeirinhos, né, a gente tinha que trazer essas vozes também para a redação.

- Yasmin Santos: E que eu acho que a gente tem que encarar essa discussão de peito aberto, né?

- Selene Facó: Colocar pessoas com deficiência em cargos de chefia.

- Juliano Machado: Nos portais de internet também, de notícias, poucos jornais fazem descrição das suas fotografias.

- Renan Sukevicius: E é muito maluco quando você é LGBT e você chega em novos lugares, e você quase tem que sair do armário todas as vezes, sabe?

- Camila Silva: E elas resvalam muito nesse discurso, não encontrei uma pessoa preta pra ocupar esse lugar.

- Caê Vasconcelos: A gente precisa ter pessoas trans incluídas no jornalismo, né? Ainda somos muito poucos.

- Sanara Santos: Uma estrutura que não é pensada pra corpos diversos vai sufocar corpos diversos.

- Jamile Santana: Eu tenho ferramentas que são de gestão, ferramentas que são voltadas pra produção jornalística, e ferramentas que são voltadas pra cultura da redação.

- Flávia Santos: Me fortalece também na questão da autoestima intelectual, que é uma coisa que pesa bastante na vida de uma pessoa não branca.

- Géssika Costa: E aí quando você vai olhar diz, caramba, por que toda vez eu ligo pra uma organização de São Paulo ou do Rio de Janeiro?

- Joana Suarez: Eu costumo falar isso, que a gente vai ser muito burro mesmo se a gente não se preocupar com esse jornalista da ponta. Porque nunca tivemos a oportunidade de ter gente em tudo quanto é canto deste país fazendo reportagem.

[FIM DA MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Talvez você já tenha reconhecido algumas vozes, então bora pra conversa, ajeita aí seu fone de ouvido, ou deixa seu celular bonitinho aí na mesa, na bancada da cozinha, não importa onde você tá agora, tem muito assunto pra gente tratar. Até porque a ideia é abordar vários recortes de diversidade, de raça, de gênero, de orientação sexual, de território, diversidade geográfica, de pessoas com deficiência. Aliás, pessoas com deficiência costumam ficar em segundo plano nesse debate, né, ou até lá no fim da fila das prioridades nas redações. Então aqui a gente vai bagunçar essa fila, porque eu já quero começar tratando desse recorte. A primeira pessoa que eu queria convidar pro nosso papo é o Juliano Machado, jornalista de Porto Alegre, que sempre faz comentários no Twitter bem analíticos sobre a profissão, com uma posição crítica. O Juliano é cego, é um grande consumidor de podcasts e de jornalismo de maneira geral.

[JULIANO MACHADO]

Oi, Rodrigo.

[LOCUÇÃO]

Seja bem-vindo, Juliano, e de cara eu queria que você contasse pra gente o que você acha que pode melhorar na produção jornalística pra que pessoas cegas ou com alguma deficiência visual se sintam mais incluídas.

[JULIANO MACHADO]

Eu diria que hoje a principal preocupação em termos de consumo de jornalismo e de informação pelas pessoas que não enxergam ou que enxergam pouco é a presença cada vez maior de conteúdos em imagem ou gráfico, né, conteúdo gráfico e imagético sem a respectiva acessibilidade. Isso em várias plataformas. Nas redes sociais a gente verifica isso pela falta de descrição em fotos, ou em gráficos, ou em imagens diversas.

[LOCUÇÃO]

Bom, aqui a gente já tem então a primeira chance no episódio de deixar uma dica simples, rápida e que pode ter um efeito enorme pra muita gente. Você, que tá ouvindo, quando você posta uma foto no Twitter ou no Instagram, ou um GIF, você coloca a descrição da imagem? Você sabe como fazer isso na plataforma? Então já anota aí a primeira dica. No Twitter, se você tá no celular, quando você adiciona uma imagem aparece no cantinho da imagem um botãozinho com +ALT, o sinal de mais, e as letras A, L, T. Você entra ali e descreve o que tem na foto, um paragrafinho contando o que tem ali naquela imagem. Se você estiver na web, em vez do +ALT aparece um “Adicionar descrição”. Mesma coisa, clica ali e descreve a foto. No Instagram, quando você vai postar no feed, na hora de escrever o texto, lá embaixo tem Configurações Avançadas. Você vai ali, e depois em Escrever texto alternativo, aí você descreve a imagem, e pronto. Isso leva poucos segundos, não dá trabalho, no começo talvez você esqueça na correria de postar, mas rapidinho entra no automático. E aí pessoas cegas, que usam o recurso de leitor de tela, vão ouvir aquela sua descrição e vão saber o que tem na imagem. Tem um ótimo jornalista que eu sigo no Twitter, que é o Gustavo Torniero, vira e mexe ele tá em algum post perguntando: o que é que tem na imagem, do que é que vocês tão falando, descreve pra mim por favor. Então é um gesto simples, que resolve. Mas vamos voltar pro Juliano, porque tem mais.

[JULIANO MACHADO]

Nos portais de internet também, de notícias. Poucos jornais fazem descrição das suas fotografias, e isso muitas vezes é um elemento de informação importante numa notícia. E na televisão também, na televisão que é um meio visual, né, de natureza visual. Mas como ela é tão importante como meio de informação ela deve sim adaptar sua linguagem na medida do possível pra privilegiar também quem não enxerga. Vou te dar um exemplo aqui bem claro disso. No Jornal Nacional agora todos os dias eles falam sobre os números da pandemia.

[ÁUDIO JORNAL NACIONAL]

- Renata Vasconcelos: Agora os números da vacinação e da pandemia, reunidos pelo consórcio de veículos da imprensa.

[JULIANO MACHADO]

E citam os estados que tiveram quedas de mortes ou aumento. No início eles costumavam listar os estados. Agora não, agora eles mostram num mapa, num gráfico, né. E só falam assim: esses cinco estados tiveram um aumento de casos, esses dez estados ficaram estáveis, esses outros não sei quantos estados tiveram queda de casos.

[LOCUÇÃO]

E como a gente tá num podcast, vai dar pra ter uma ideia exata de como esse conteúdo chega pro Juliano. Porque a gente que enxerga, aqui a gente não vai ter a imagem do mapa, só o áudio. Vamos lá.

[ÁUDIO JORNAL NACIONAL]

- Alan Severiano: Oi, Renata, Bonner, boa noite a todos. Em 24 horas, 708 mil pessoas foram vacinadas com a primeira dose. Mais de 1 milhão e 300 mil com a segunda dose ou a dose única. E 670 mil com a dose de reforço.

[LOCUÇÃO]

Na tela, esses números aparecem completinhos, 708.252. Na fala, eles tão arredondados. Mas ok, dá pra ter uma ideia da informação. O problema é quando vem o mapa dos casos ou da vacinação por estados.

[ÁUDIO JORNAL NACIONAL]

- Alan Severiano: No mapa, os estados em verde escuro são os mais adiantados na vacinação completa, e os cinco primeiros aparecem em destaque.

[LOCUÇÃO]

E aí? Quais são os estados que tão em verde escuro? Quais são os cinco primeiros que aparecem em destaque? O Brasil tem mais de 6 milhões de pessoas com deficiência visual, e elas não têm como saber quais são esses estados.

[JULIANO MACHADO]

É um exemplo bem claro do que pode ser feito em termos de linguagem, as duas linguagens poderiam conviver tanto a linguagem gráfica quanto a linguagem falada, da informação falada, e poderiam conviver tranquilamente no mesmo veículo, privilegiando um número maior de pessoas. E isso acontece em várias plataformas como eu te falei, tanto em vídeos no YouTube, portais de internet, postagens de rede social. Então isso é o que mais embaraça hoje o consumo de jornalismo, de informação de qualidade, por quem não enxerga.

[LOCUÇÃO]

Obrigado, Juliano, bem importante essa colocação. E vale a mesma coisa pra pessoas surdas, quando você grava um vídeo pra postar nos stories do Instagram, por exemplo, escreve a legenda no vídeo. É rapidinho, stories tem 15 segundos, não dá pra falar muito. Você escreve ali o que você tá falando, e mais gente vai consumir aquela informação. Podcast obviamente é uma questão pra pessoas surdas. Eu tenho a honra de ter como consumidora do Vida a Karina Buhr, grande cantora que eu sou muito fã, e outro dia ela comentou que ela é surda, e eu não sabia disso, e que ela sofre pra ouvir podcast porque ela tem que botar num volume muito alto, o som estoura. E fiquei muito feliz quando ela comentou sobre as transcrições do Vida. Então você que faz podcast, eu sei que dá trabalho, eu sei que não é simples, eu sei que muita gente também trabalha sozinho, não tem tempo, mas considere essa possibilidade. Hoje tem aplicativos que fazem transcrição, o Transcriber Bot do Telegram, o Pinpoint do Google. Faz o seguinte: vai lá no Cochicho.org, o site da Bia e da Sarah sobre podcasts, elas acabaram de publicar um artigo com dicas de aplicativos de transcrição. Combinado? Beleza. Então deixa eu trazer agora pro papo a Selene Facó. Ela é uma estudante de jornalismo, e tá chegando agora na profissão.

[SELENE FACÓ]

Oi, meu nome é Selene, eu sou de Fortaleza, Ceará, e estou no último semestre de jornalismo. E eu tenho uma deficiência física, eu tenho mielomeningocele, que é uma uma formação na medula, e eu preciso de uma cadeira de rodas pra me locomover.

[LOCUÇÃO]

Bem-vinda, Selene, diz pra gente o que você acha que tá faltando, o que você espera que melhore no jornalismo pra gente ter mais jornalistas cadeirantes e pessoas com deficiência nas redações.

[SELENE FACÓ]

Eu acho que o que está faltando pra gente ter mais pessoas com deficiência nas redações, não só nas redações mas em todos os locais e no mercado de trabalho é justamente essa conscientização da população no geral, para que haja uma normalidade das pessoas com deficiência. É preciso que as pessoas entendam que as pessoas com deficiência, por mais que tenham as suas limitações, elas conseguem fazer o que seja proposto elas conseguem fazer. Vão ter outros jeitos de fazer, mas elas vão conseguir fazer. Então o que está faltando é essa conscientização das pessoas, pra que assim elas consigam empregar pessoas com deficiência, colocar pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e colocar pessoas com deficiência em cargos de chefia, em qualquer que seja a área. E no jornalismo principalmente, que a gente deveria ter essa diversidade, não só com pessoas com deficiência, mas com pessoas negras, indígenas, e essa diversidade infelizmente ainda não acontece.

[LOCUÇÃO]

Obrigado, Selene. E é isso, a gente lembra da Flávia Cintra, jornalista do Fantástico, do Jairo Marques, ótimo repórter da Folha de São Paulo. Mas a gente ainda precisa avançar bastante nesse tema, inclusive no que diz respeito à deficiência intelectual, outras condições como síndrome de Down, autismo, e a gente ainda vê muito jornalista usando termo capacitista, até em rede social xingando o presidente. Ah, eu não falei retardado com essa intenção. Não interessa, não é pra usar essa palavra, porque é ofensivo. Se pode machucar alguém que não tem nada a ver com isso, não usa essa palavra. Tem um monte de palavra no dicionário, vai lá e escolhe uma mais bonitinha. Bom, já que a Selene citou os indígenas, eu vou entrar nessa área agora, e já aproveito pra recomendar se você ainda não ouviu, o episódio recente do Vida com jornalistas indígenas que cobriram as mobilizações em Brasília contra o Marco Temporal, tem o Yago Queiroz e a Mayra Wapichana, ficou bem legal esse episódio.

[ÁUDIO MOBILIZAÇÃO INDÍGENA]

- Mayra Wapichana: Semana intensa de mobilização, todo o movimento indígena veio para Brasília, veio ocupar Brasília, com esse objetivo, né, dessa luta, como sempre foi, que é defender os nossos direitos originários. Defender os nossos direitos já garantidos na Constituição.

[LOCUÇÃO]

Pra falar sobre a inclusão de jornalistas indígenas nas redações, eu vou chamar a Kátia Brasil, fundadora da Amazônia Real junto com a Elaíze Farias. A Kátia tem um episódio aqui no Vida, lá na primeira temporada. Eu pedi pra ela mandar um áudio contando um pouco sobre esse processo de diversidade de raça, de etnias, dentro da redação da Amazônia Real.

[KÁTIA BRASIL]

A agência Amazônia Real já nasceu com diversidade e inclusão, principalmente em relação à igualdade racial. Por causa das fundadoras mesmo, né? Eu sou uma mulher negra, a Elaíze é uma mulher indígena. Nós sempre tivemos muitos embates durante a vida e durante o trabalho como jornalista no enfrentamento das desigualdades, do racismo. Então a gente não poderia criar uma agência de notícias sem esses valores e nem de praticar internamente e externamente. Porque não adiantava a gente ser duas editoras chefes, comandar uma equipe de jornalistas homens brancos ou mulheres brancas. A gente tinha que trazer essa inclusão pra dentro da Agência Amazônia Real. E foi isso que aconteceu. Então quando a gente se viu dentro dessa agência tendo que fazer uma rede de jornalistas nos estados da Amazônia, que são nove estados, com a diversidade imensa de etnias indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a gente tinha que trazer essas vozes também para a redação.

[LOCUÇÃO]

E hoje o corpo de jornalistas na redação da Amazônia Real reflete essa diversidade, não só com indígenas, mas com vários outros grupos, também pensando localmente.

[KÁTIA BRASIL]

E aí começamos a criar rede no ano de 2014 com os jornalistas das próprias cidades, ou seja, já praticando jornalismo local. Então hoje temos uma equipe de quase 30 jornalistas, a maioria são mulheres. Nós temos pessoas de várias etnias, temos pessoas inclusive LGBTQIA+. Estamos tentando avançar mais ainda na inclusão de pessoas com deficiência, esse é agora o nosso próximo passo na redação da Amazônia Real.

[LOCUÇÃO]

E nesse caso a gente precisa dizer que, além da inclusão, é importante também o acolhimento e a capacitação, pra que essas pessoas se sintam à vontade pra produzir. Isso vale pra quem tá na redação e pra outros comunicadores também.

[KÁTIA BRASIL]

No ano de 2018, nós começamos a fazer oficinas, porque entendemos que os jovens comunicadores precisavam de apoio, não só no aprendizado da comunicação, mas também no fortalecimento de suas narrativas. Que eles mesmo pudessem escrever, fazer vídeos e fotografias de suas comunidades, mas sabendo que aquele ambiente da internet era um ambiente que precisava realmente ter uma certa base, um estudo, pra eles não se enfrentarem com muitos problemas que hoje em dia a gente sabe que é um campo muito aberto que acontece de tudo, né?

[LOCUÇÃO]

Essas oficinas aconteceram em 2018 e 2019, mas veio a pandemia e limitou muito o acesso a esses grupos.

[KÁTIA BRASIL]

E no ano de 2020, como nós não pudemos fazer as oficinas, a gente concorreu a uma bolsa, e conseguimos financiar o blog Jovens Cidadãos. Nós começamos com oito jovens que participaram da oficina. E esse blog existe, está no site qualquer pessoa pode acessar, amazoniareal.com.br, você procura lá na barra de baixo o nosso blogue Jovens Cidadãos da Amazônia. E esperamos que no ano de 2022 a gente faça novas oficinas para o ingresso de mais jovens pra que eles sejam comunicadores, produzindo suas próprias narrativas com pertencimento e identidade, reconhecendo sua etnia ou sua raça como cidadãos brasileiros que também trabalham na comunicação e que possam cada vez mais dar visibilidade às questões dos seus povos e suas comunidades.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Obrigado, Kátia, parabéns pelo trabalho. Se eu falei que a ideia aqui era apontar caminhos, a Amazônia Real é um ótimo exemplo. E não é o único, você quer outro exemplo bem prático?

[CAMILA SILVA]

Olá, Rodrigo. Prazer participar aqui do Vida de Jornalista, falando sobre diversidade e inclusão, um tema que eu gosto tanto. Eu me chamo Camila Silva, sou jornalista há quase 11 anos de estrada aí. Sou coordenadora do programa Diversidade Racial na comunicação do Nexo Jornal.

[LOCUÇÃO]

Que prazer ter você aqui no Vida, Camila. Sou fã do seu trabalho. E o Nexo foi uma das primeiras redações que perceberam a importância de implantar um programa de diversidade de fato, com uma ação pra formar 10 jovens negros de vários lugares do país. Eu queria que você explicasse pra gente o que é exatamente esse programa.

[CAMILA SILVA]

Ele é fruto de uma paixão, de uma inquietação muito grande da Paula Miraglia, que é diretora geral e fundadora do Nexo. Ao longo desses anos ela foi desenhando esse programa, conseguiu financiamento. Em 2019 começou a tirar ele do papel de fato, né. A gente já percebeu que a redação do Nexo era uma redação muito branca, que era uma redação de classe média, e muito igual. Que não tava preparada pra poder receber 10 estudantes negros que chegassem. A gente tem uma integração muito grande que a gente vai fazer com a redação aqui. Então a gente precisa mexer na redação antes. Então a gente deu esse passo pra trás pra poder continuar pensando o programa.

[LOCUÇÃO]

E qual é a ideia, Camila?

[CAMILA SILVA]

A ideia é que são 10 estudantes de todo o Brasil, que eles venham pra esse programa, que é um programa de formação. Não só de estágio. A gente tem uma parte prática, mas que é 30% do projeto. A outra parte é de formação. Pra eles verem aquilo que eles não tiveram oportunidade de ver na faculdade. Complementar aquilo que a vida teoricamente não deixaria que eles tivessem, como pro exemplo inglÊs. Eles recebem uma bolsa pra participar do programa. A gente sabe que a realidade no Brasil das pessoas pretas é ter que trabalhar e estudar. Então essa era outra prerrogativa do programa. A bolsa financeira, a bolsa do inglês, e a formação que também funciona como networking, contato com fonte, conhecimento das redações e práticas jornalísticas. São 12 horas por semana, sempre na parte da manhã. Parte pro inglês, outra parte pros encontros, seja oficina de dentro do Nexo ou de fora do Nexo com todos os assuntos.

[LOCUÇÃO]

E essa formação vai derrubando aquele velho argumento das redações de que tentam contratar pessoas diversas, mas não encontram mão de obra qualificada.

[CAMILA SILVA]

E elas resvalam muito pra esse discurso: não encontrei. Não tem uma pessoa preta pra poder ocupar essa vaga. É um processo de estágio, a gente recebeu pessoas que estão formadas, pessoas qualificadas. A gente tem dentro do programa pessoas que já estão prontas. Elas estão evoluindo dentro do programa pra se aperfeiçoar ainda mais. Mas estão prontas pra trabalhar em qualquer redação. Pra quebrar essa desculpa de que não tem profissionais, porque eles estão aí também.

[LOCUÇÃO]

Essa desculpa se esconde atrás de uma vontade de manter um status, manter um perfil racial, de gênero, do que for, que é sempre o mesmo, né.

[CAMILA SILVA]

Eu acho que é importante a gente pensar que quando a gente pensa em diversidade e inclusão, em algum momento, e seria importante que esse fosse o primeiro momento, a gente está falando de rever privilégios.

[LOCUÇÃO]

E aqui é sempre bom lembrar que nessa primâmide dos privilégios, eu, por exemplo, tô lá no topo, na pontinha da pirâmide, como homem, cis, branco, hétero, de classe média, no Rio de Janeiro, não periférico, criado numa família que teve condição de bancar minha educação, meu curso de inglês, tudo isso. Então pra mim, fazer esse episódio aqui é também reconhecer o quanto eu já me beneficiei desse privilégio gigantesco de raça, de gênero, de território, e de condição social.

[CAMILA SILVA]

Se a gente pensa que o Brasil é um país racista, muita gente se serviu desses privilégios até aqui. Quem está em cargos de poder dentro das redações, quem tem o poder aquisitivo e até, enfim, quem é dono das redações, eles estão usufruindo desse privilégio há muitos anos. A gente se começa já pensando que tem que reeducar e rever privilégios, que vai ter que mexer na pirâmide inteira, e não só na base, pensando não só no estágio, no trainee, e tudo mais, mas em cargos plenos e de liderança, pra que a gente tenha impacto de fato na cultura das redações, isso causa muito incômodo, isso causa muito desconforto. Mas eu acho que é o passo principal, que as empresas não tem coragem de fato de dar.

[LOCUÇÃO]

Já já a gente vai falar sobre gênero, e aí a gente vai voltar nesse tema da cultura da redação.

[CAMILA SILVA]

Mas o que eu queria dizer também é que eu sou super otimista. Tem uma brincadeira agora que o pessoal fala que a base vem forte. Estar em contato com esses dez estudantes, e todos eles são muito politizados. A gente tá reforçando isso pra que essas pessoas cheguem mais firmes. Mas acho que com ou sem programa a gente já tem uma base muito forte, que vai chegar entendendo o que elas podem passar, o que elas não podem passar, o que elas não merecem passar. E para lutar pelo lugar delas, que é o que eu estou fazendo também. Lutei pelo meu durante um tempo, hoje em dia estou lutando pelo próximo. E estou otimista porque, se eu não estiver também, quem estará, né? E a base vem forte.

[FlÁVIA SANTOS]

Oi, gente, aqui quem fala é Flávia Santos.

[LOCUÇÃO]

Olha a base forte chegando aí, ó.

[FlÁVIA SANTOS]

Eu sou uma pernambucana sertaneja que tá aí caminhando pra reta final do curso de jornalismo pela Uneb.

[LOCUÇÃO]

A Flávia apareceu aqui no Vida recentemente, ela faz o podcast Deixe de Pantim.

[FlÁVIA SANTOS]

E eu também sou uma das dez pessoas que participam do programa de diversidade racial do Nexo Jornal.

[LOCUÇÃO]

Pronto. Então pra reforçar o que disse a Camila, eu quero ouvir a Flávia sobre como tem sido essa experiência com o Nexo.

[FLÁVIA SANTOS]

A minha experiência nessa formação ela vem sendo bastante enriquecedora porque desde que eu iniciei a faculdade eu me questionava como que eu poderia chegar a determinados lugares sendo uma jovem negra e do sertão pernambucano. E vejo no Nexo uma porta muito importante sendo aberta pra mim, sabe? Sei lá. Eu tive a oportunidade de conversar com Flávia Oliveira, fora muitos outros comunicadores que eu admirava de longe, que eu jamais imaginaria que eu teria contato um dia. E aí no fim das contas eu acho que é um programa que vem me fortalecendo bastante nessa questão de contatos. Me fortalece também na questão da autoestima intelectual, que é uma coisa que pesa bastante na vida de uma pessoa não branca. Então lá eu sempre tô exercitando meu texto, eu tô exercitando meu inglês com aulas de conversação. Eu também exercito o meu olhar, porque eu acabei conhecendo outras vivências a partir dos meus outros nove colegas que participam comigo dessa formação. E tem gente desde o Amapá até São Paulo, então existe uma troca muito interessante entre o grupo e uma expectativa de que a gente saia desse programa com uma bagagem muito boa pro mercado de trabalho, que sempre impõe barreiras pra pessoas como nós. Eu espero muito que outros veículos de comunicação estejam de olho nessa iniciativa e que consigam implantar por lá também, porque a gente sabe que a diversidade do jornalismo ainda é um problema, mas é um problema que pode ser resolvido aos pouquinhos com essas ações.

[LOCUÇÃO]

Muito bom, Flávia, obrigado pelo depoimento. A Camila vai voltar daqui a pouco, mas ainda nesse tema da diversidade racial, eu queria chamar outra pessoa bem importante, que vive e estuda esse tema.

[AUDIO CHAMADA]

- Yasmin Santos: Oi, Rodrigo, você me ouve?

- Rodrigo Alves: Tudo bom?

- Yasmin Santos: Tudo, e com você?

[LOCUÇÃO]

Essa é a Yasmin Santos, hoje jornalista independente, colaboradora da revista 451, ela esteve no Nexo, trabalhou também na revista Piauí, talvez você lembre da reportagem Letra Preta, que foi capa da Piauí em outubro de 2019, a partir da pesquisa que a Yasmin fez no trabalho de conclusão de curso na faculdade, um pouquinho antes, sobre a inserção de jornalistas negros e negras no impresso. E eu queria saber da Yasmin se nesses dois anos de lá pra cá ela notou alguma mudança nesse cenário, e o quanto a gente ainda tá longe do ideal.

[YASMIN SANTOS]

De lá pra cá, a gente teve mudanças. A gente teve por exemplo, o assassinato do George Floyd, que comoveu não só a imprensa americana, mas talvez a imprensa mundial ou ocidental, né.

[ÁUDIO GLOBONEWS]

- Heraldo Pereira: Todos nós temos acompanhado, nós temos feito uma longa cobertura jornalística no seu interesse, no interesse da cidadania, das manifestações raciais nos Estados Unidos, que começaram com a morte de um cidadão: George Floyd.

[YASMIN SANTOS]

E chegou aqui no Brasil também. A gente teve por exemplo aquele programa especial da GloboNews, em que a gente tinha se não me engano, seis jornalistas negros experientes falando sobre racismo abertamente.

[ÁUDIO GLOBONEWS]

- Maju Coutinho: Gente, eu sei que foi um momento histórico maravilhoso estar aqui com vocês. Eu acho que a gente abriu uma porta muito grande aqui.

[YASMIN SANTOS]

Eu acho que a gente vem caminhando pra isso, e que isso acelerou um pouco. Mas o que me preocupa nesse quesito, que pode parecer que a gente tá andando um pouco em círculos, é que a diversidade e a questão racial ela entrou não só nessa perspectiva de direitos e de justiça, mas também de uma coisa de marketing mesmo, né? De autopromoção. Porque eu também vejo empresas se usando de seus funcionários negros como um certo escudo ao racismo. E eu acho que a gente tem que encarar essa discussão de peito aberto, né? É muito bacana você ter um programa pra estagiários e pra trainees, isso é essencial pra inserção desses jovens que tão no mercado, mas pra gente pensar estruturalmente. É repensar a cultura da empresa como um todo. Do jornalismo como um todo.

[LOCUÇÃO]

E cada vez mais vai ganhando força aqui na nossa conversa essa ideia de que a diversidade só vai se fortalecer quando a gente mudar a cultura do jornalismo.

[YASMIN SANTOS]

Tem uma frase que resume tudo: não tem como a gente resolver, solucionar ou propor soluções pra problemas que são estruturais, como racismo, sexismo, capacitismo, se a gente não pensar em soluções que sejam estruturais. Então eu acho que a gente revê mesmo a cultura por completo de uma empresa, de pensar em processos seletivos. Muitas empresas de jornalismo ainda pensam em processos seletivos por meio de indicações. É claro que às vezes acontece de por meio de indicação você conseguir uma indicação de uma pessoa muito bacana, uma pessoa negra muito bacana, uma pessoa trans muito bacana. Às vezes você consegue isso. Mas na maioria das vezes a gente sabe que essa indicação acaba sendo direcionada de um chefe branco para outro professor ou outro chefe de outro lugar branco, que vai colocar pessoas que fazem parte do convívio dele que normalmente são pessoas brancas. A gente fica nesse ciclo ali só de pessoas brancas no jornalismo. O que é muito complicado. Então é: como a gente pode pensar também em processos seletivos mais acessíveis? Como a gente pensa em planos de carreira, sabe? Como aquela pessoa consegue ver que ela tem futuro dentro dessa profissão? Isso é uma coisa que não só me dá muita agonia, mas dá agonia pra muitas pessoas.

[LOCUÇÃO]

Essa questão cultural e estrutural atinge até mesmo empresas que se preocupam em criar programas de diversidade. A gente já citou aqui o programa de trainees da Folha de São Paulo, a Folha tem uma editoria de Diversidade, comandada pela ótima Flávia Lima, mas é uma empresa enorme, cheia de editorias, de departamentos, de chefias, e a questão estrutural leva a casos como o que aconteceu recentemente de uma coluna racista do Leandro Narloch, que é contratado pela Folha como colunista e tem espaço pra escrever um texto racista.

[YASMIN SANTOS]

É a gente pensar como o veículo lida com isso. Porque isso vai acontecer. É como eu falei, eu acho que o racismo nos próximos anos infelizmente é algo que vai estar aqui. A gente não pode é normalizar isso, naturalizar como nós como sociedade fizemos durante muitos séculos.

[LOCUÇÃO]

Perfeito, Yasmin, muito obrigado, foi ótimo ter você aqui no Vida.

[YASMIN SANTOS]

Obrigada, eu que agradeço o convite.

[LOCUÇÃO]

Imagina, uma honra, de verdade. E eu vou chamar de volta a Camila Silva, do Nexo, pra arredondar esse tema da cultura da redação, pelo viés racial, já já a gente vai falar de gênero. Mas a Camila faz essa diferenciação importante entre as duas palavrinhas que tão no título desse episódio: diversidade e inclusão.

[CAMILA SILVA]

Pra mim diversidade é número. Eu vou abrir um processo seletivo, eu vou contratar, quero que meu quadro de funcionários tenha equidade racial. E a inclusão é você ter a certeza e fazer com que a cultura da sua empresa esteja preparada pra ouvir de fato essas pessoas que ao longo de toda a história recente foram silenciadas.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

Muito bem, obrigado, Camila!

[CAMILA SILVA]

Obrigada, Rodrigo, desculpa os áudios gigantescos, um beijo!

[LOCUÇÃO]

Áudios gigantescos foram uma questão nesse episódio, mas não que eles não devessem ser gigantescos, eu queria mais é ouvir a Camila por três horas. É que a missão aqui é abordar todos esses recortes num episódio que caiba dentro de uma hora. Até pra não ficar muito longo, não afastar as pessoas, e que o episódio possa circular bastante. Então eu já peço desculpas a todo mundo aqui, porque obviamente não deu pra aproveitar tudo que as pessoas falaram, mas eu juro que eu tentei ser cuidadoso e carinhoso nessas escolhas. E ainda tem muita gente pra chegar nessa conversa. Agora a gente vai falar de gênero, tema que também envolve muitos grupos de pessoas. As redações ainda precisam avançar em relação às mulheres em cargos de chefia, equiparação salarial, casos de assédio, que ainda acontecem muito. E tem também as pessoas LGBTQIA+. Quem tem prestado bastante atenção nesse tema é um vizinho de Rádio Guarda-Chuva que vocês já conhecem, o querido Renan Sukevicius.

[ÁUDIO DA CHAMADA]

- Renan Sukevicius: Tudo bem?

- Rodrigo Alves: Tudo bom, Renan?

- Renan Sukevicius: Tudo bem. Eu me sinto vindo no Jô, sabe. Você é o Jô da podosfera.

- Rodrigo Alves: É só você comparar os equipamentos pra ver quem é o Jô da podosfera.

- Renan Sukevicius: (risos) A banda ali, ó!

- Rodrigo Alves: (risos)

[MÚSICA DO JÔ]

- Som do sexteto do Jô Soares tocando jazz na introdução de uma entrevista.

[LOCUÇÃO]

Eu falei isso porque a gente tava numa chamada de vídeo e o Renan já apareceu com um microfone maravilhoso num braço articulado, com filtro, fone de ouvido. E esse áudio que você ouviu aí é da chamada, ele ainda não tinha colocado pra gravar no microfone chique.

[ÁUDIO DA CHAMADA]

- Renan Sukevicius: Vou colocar pra gravar aqui no meu também, tá?

- Rodrigo Alves: Beleza, beleza.

[FIM DA MÚSICA DO JÔ]

- Jô Soares: E aí?

[LOCUÇÃO]

O Renan, como você já sabe, faz o podcast Finitude, que acaba de completar 3 anos, imitando o Vida, né, só porque o Vida fez 3 anos ainda há pouco, o Finitude quer fazer também, tudo bem. O Renan vai lançar um podcast novo no início de novembro, que vai tratar justamente desse desconforto percebido por pessoas LGBTQIA+. Vai se chamar Dissidentes, que é um ótimo nome. Já tem um trailer nas plataformas, você já pode seguir. E gênero também era o tema de outro podcast que o Renan já fez, o excelente Todas as Letras, que hoje é um blog na Folha de São Paulo. Ou seja, o Renan tem absolutamente tudo a ver com esse episódio.

[RENAN SUKEVICIUS]

Eu troquei muito emprego assim, né, num período da minha vida. E é muito maluco quando você é LGBT e você chega em novos lugares e você quase tem que sair do armário todas as vezes, sabe? E quando você chega num trabalho novo e principalmente quando você não performa exatamente aquele perfil de LGBT que as pessoas esperam, e as pessoas se surpreendem. E elas fazem aquele tipo de comentário: nossa, nem parece. Sabe? Isso é bem difícil, você ter que fazer essa saída do armário todas as vezes.

[LOCUÇÃO]

E aqui a gente tá falando de pessoas cisgênero, que se identificam com o gênero biológico, e têm sua orientação sexual como gays, lésbicas e bissexuais…

[RENAN SUKEVICIUS]

E que têm uma facilidade maior, ou que sofrem menos preconceito Se a gente for comparar com as pessoas trans, né?

[LOCUÇÃO]

Sem dúvida, e a gente vai ouvir jornalistas trans aqui no episódio também, mas eu tava contando pro Renan uma história de um colega de uma das redações onde eu trabalhei, que ele pediu demissão e ficou nítido que era porque ele não se sentia acolhido pelo fato de ser gay. Aquela coisa do comentário no corredor, sabe, a piadinha pelas costas, isso ainda acontece muito.

[RENAN SUKEVICIUS]

Talvez passe um pouco por isso, por essa constituição desse ambiente que a pessoa vai estar. Eu uso o exemplo da Folha porque a Folha é a maior redação que eu já trabalhei, né? Tem muita gente, muitas editorias, e você vai olhando ali a formação das editorias e você vai vendo o perfil diferente das pessoas. Em lugares que você consegue transitar um pouco melhor, lugar em que geralmente tem mais LGBTs, lugares que tem menos como a editoria de esporte, por exemplo, em que as pessoas não se sentem tão à vontade pra serem quem elas são.

[LOCUÇÃO]

E muitas vezes são acomodadas numa caixinha limitada em que ela só vai poder produzir quando for sobre aquele assunto específico que diz respeito àquele grupo de pessoas.

[RENAN SUKEVICIUS]

Beleza, você tem um LGBT na sua redação, no seu podcast, só que ele só vai falar de assuntos relacionados à diversidade. Quando você vai olhando pra pautas, né, a gente tá falando do jornalismo, das notícias, a você vai ter um negro e ele vai falar só dos casos de racismo, só das coisas absurdas. Se você tem uma pessoa trans na sua redação, naquele ambiente de trabalho, naquele ambiente jornalístico, só vai falar daqueles casos bizarros de homotransfobia, de pessoas trans assassinadas dos jeitos mais absurdos. Esse é o incômodo principal, sabe, você ter essas pessoas entre aspas diversas nos ambientes de redação, nos ambientes jornalísticos, e você usar essas pessoas só pra que elas falem da própria experiência.

[LOCUÇÃO]

E pra dar um bom exemplo sobre isso, a gente vai trazer de novo pro episódio o Em Pauta, da GloboNews, que a Yasmin citou ainda há pouco.

[RENAN SUKEVICIUS]

No Em Pauta hoje você tem um cara, né, o Marcelo Cosme, que é um jornalista abertamente gay.

[ÁUDIO GLOBONEWS]

- Marcelo Cosme: Eu vou ser sincero com quem está nos assistindo. Eu posso imaginar. Porque o meu namorado ele é médico e trabalha numa UTI onde as pessoas são recebidas com Covid-19. E eu recebo esses relatos e vejo o quanto é difícil. Então fica mais uma vez nosso respeito a esses profissionais que são tão fundamentais. Doutora Margareth, é sempre muito bom ouvi-la.

[RENAN SUKEVICIUS]

Então ele é um homem gay que discute relações relacionadas à inclusão e diversidade, mas que antes de tudo é um jornalista especializado em política e um apresentador de um dos mais importantes programas de um dos mais importantes canais de notícias. Percebe esse movimento? Então acho que essa é a principal questão, talvez. Colocar essas pessoas diversas na engrenagem das empresas e não reduzir elas apenas a essa questão da diversidade. Até porque as pessoas são muito múltiplas, né? Você ser LGBT não exclui de você ter uma religião. E às vezes parece até pra pessoas que tão num ativismo, numa militância, uma coisa mais distante, fazer casar esses dois mundos, né? Como assim uma pessoa religiosa e LGBT?

[LOCUÇÃO]

Aqui no Vida recentemente a gente teve um episódio sobre o podcast O Hebreu, que é sobre religiosidade, e um dos apresentadores é o Lidomar Nepomuceno.

[LIDOMAR NEPOMUCENO]

Eu sou um homem negro, gay, cearense, militante do movimento negro, coordenador de um dos grupos da rede nacional de grupos católicos LGBTQIA+.

[LOCUÇÃO]

Essa questão da religião também é um gancho pra gente cobrar um ambiente mais diverso do ponto de vista religioso nas redações. Pra que as coberturas respeitem por exemplo religiões de matriz africana. Agora nesse caso recente da polícia perseguindo o Lázaro, você lembra? Teve bastante desrespeito e intolerância religiosa na mídia. Com os muçulmanos é a mesma coisa. Em um dos episódios da oficina do Vida, tá aí no feed pra você ouvir, a querida Alice Barbosa, que mora no México, contou as experiências que ela passou em redações por ser uma mulher muçulmana. E isso é o básico, né, gente, é respeitar todo mundo, é o mínimo.

[RENAN SUKEVICIUS]

Então acho que não dá pra gente colocar a diversidade num altar assim, né? É importante, as pessoas precisam ser incluídas, e não é mais do que obrigação ter uma diversidade nas redações, nas empresas jornalísticas.

[LOCUÇÃO]

Perfeito, Renan. Muito obrigado, viu?

[RENAN SUKEVICIUS]

Falei bastante, né, desculpa.

[LOCUÇÃO]

Que nada! Renan é craque demais, né, uma honra essa presença aqui no Vida. E eu vou aproveitar um gancho do Renan, já que ele falou sobre esse negócio de não limitar essas pessoas aos assuntos relacionados à militância. Eu vou chamar de volta aqui pro podcast a Sanara Santos, que é produtora-chefe da ÉNois. Ela é travesti, negra, e já passou aqui pelo Vida pra falar sobre jornalismo, foi no episódio sobre Whatsapp, a Sanara falou sobre distribuição, foi bem legal.

[SANARA SANTOS]

Tudo bem, Rodrigo?

[LOCUÇÃO]

Seja bem-vinda de novo, Sanara, agora sim eu quero te ouvir sobre a questão da diversidade, principalmente em relação às pessoas trans no jornalismo.

[SANARA SANTOS]

Muito louco diversidade, né? Porque não adianta seu conteúdo ser diverso se a sua equipe não é, né? Se o caminho for o contrário, se a sua equipe de produção for diversa, o seu conteúdo ele é diverso em si. Porque o corpo que produz ele tem nuance, tem detalhe. Esse corpo tem uma vivência própria, né? Tem uma forma de produzir conteúdo que é própria, que é diverso. Diversidade é o corpo dentro da estrutura, e é o corpo que desenha a estrutura, não é o produto.

[LOCUÇÃO]

E ainda é bem raro encontrar corpos trans em redações jornalísticas, né.

[SANARA SANTOS]

Acho que na redação a gente ainda tem um grande caminho. Um grande caminho, porque quando a gente tá falando de diversidade dentro das redações ali, redações que são formadas brancas, a gente tá falando de um desconforto que aquela estrutura vai sentir. Se aquela estrutura ela é branca, eurocentrada, cis, normativa, tudo que for contraponto a ela e estiver trabalhando ali dentro, ou a estrutura sufoca essa pessoa, ou essa pessoa incomoda a estrutura. Então as redações também têm que aprender muito a saber que esse desconforto tem que acontecer. Uma estrutura que não é pensada pra corpos diversos vai sufocar corpos diversos.

[LOCUÇÃO]

Verdade, Sanara. Eu vou chamar aqui pra conversar com a gente mais uma pessoa muito querida.

[CAÊ VASCONCELOS]

Oi, oi. Sou Caê Vasconcelos, repórter especialista na cobertura LGBT e escritor.

[LOCUÇÃO]

Caê também já passou pelo Vida quando ele tava na Ponte Jornalismo, ele falou de uma reportagem que ele fez sobre três homens que foram presos depois de serem identificados só pelos olhos, você lembra? Um caso bizarro de prisão injusta. Caê, você como homem trans, conta pra gente como você vê hoje esse cenário no jornalismo.

[CAÊ VASCONCELOS]

Na verdade eu acho que a gente precisa ter pessoas trans incluídas no jornalismo, né? Ainda somos muito poucos. Todas as redações de modo geral, não só dos veículos tradicionais, televisão, jornais, revistas, mas também na mídia independente a gente não está nesses espaços.

[LOCUÇÃO]

E o que você acha que falta pra gente avançar?

[CAÊ VASCONCELOS]

Eu acho que o primeiro ponto é entender que às vezes esse jornalista trans, essa pessoa trans na comunicação não vai chegar com aquela bagagem que a gente espera porque, né? A pessoa não teve oportunidade de ter essa bagagem, de ter aquele currículo mais pomposo, como as pessoas querem que o jornalista chegue, que o estagiário já esteja cheio de experiências profissionais. Mas uma coisa que a gente tem é muita força de vontade. A gente sabe da dificuldade que ainda é pra uma pessoa trans estar inserida no mercado de trabalho.

[LOCUÇÃO]

E sempre lembrando que diversidade sem inclusão não adianta.

[CAÊ VASCONCELOS]

Então a gente só vai conseguir realmente ter um jornalismo inclusivo quando a gente tiver pessoas trans não só na reportagem, mas na edição, nos conselhos editoriais, em todos os cargos. Um repórter trans, será que ele vai ser escutado? Será o editor vai acolher aquela pauta? Ou será que ele vai sofrer transfobia? Será que ele vai ter o nome social autorizado? Será que ele vai ser chamado da forma que ele quer? Que ele precisa ser chamado, né? Com os pronomes, o nome e tudo mais? Ou será que ele vai sofrer transfobias? Será que esse funcionário trans vai poder usar o banheiro? Então quando a gente fala da população trans, não é simplesmente pegar e contratar uma pessoa trans pra falar: ah, a gente tem uma pessoa trans aqui com a gente. É realmente mostrar que essa pessoa tem espaço, que a voz dela vai ser ouvida. Porque quando uma pessoa trans consegue entrar num cargo formal, a gente consegue realmente mudar as estruturas. Então precisamos contratar pessoas trans urgentemente, em todas as redações, em todos os níveis hierárquicos possíveis.

[LOCUÇÃO]

Obrigado, Caê, sempre bom te ouvir. Tomara que a gente continue avançando e vendo iniciativas nesse sentido. O Esporte, por exemplo, como disse o Renan, não é tradicionalmente uma editoria acolhedora pra pessoas LGBTQIA+. E agora o Esporte da Globo tem uma jornalista trans, a Marcela Maeve. Aliás ela escreveu um texto bem legal sobre o fato de ser a primeira mulher trans naquele espaço, foi no blog Coisa do Gênero, do ge.globo, depois procura lá. E se a gente precisa aprender com quem tá fazendo direito, o lugar onde a Sanara trabalha talvez seja o maior exemplo disso no país. A ÉNois pensa em diversidade o tempo todo. A newsletter delas se chama Diversa, não é por acaso, se você ainda não se inscreveu vai lá no site, porque é imperdível. ÉNois se escreve tudo junto E-N-O-I-S. Aliás a primeira coisa que eu fiz na produção desse episódio, antes de qualquer entrevista, foi conversar com a Jéssica Mota, que é gerente de comunicação na ÉNois, e ela me ajudou muito a construir a pauta, pra definir os caminhos do episódio. Depois eu chamei pra uma conversa a Jamile Santana, que é gerente de jornalismo da ÉNois. E a gente bateu A gente bateu um papo. Foi num domingo inclusive.

[ÁUDIO DA CHAMADA]

- Rodrigo Alves: Oi, Jamile.

- Jamile Santana: Tudo bem?

- Rodrigo Alves: Tudo bom, e você? Como é que você tá?

- Jamile Santana: Tudo joia. Desculpa, eu me enrolei um pouquinho aqui com as coisas de casa, dei uma atrasada.

- Rodrigo Alves: Imagina, tranquilo! Obrigado por você ter topado, num domingo ainda.

- Jamile Santana: Coloquei o bebezinho pra dormir, pra garantir que a gente consiga conversar (risos).

- Rodrigo Alves: (risos)

[LOCUÇÃO]

Boa, Jamile. E você que tá ouvindo o episódio, e concordando com as pessoas, e achando que as iniciativas são importantes, você pode estar aí se perguntando: beleza, mas como é que eu aplico tudo isso na minha redação? Eu quero mostrar esse episódio pra minha chefia, mas será que dá pra fazer isso onde eu trabalho? A Jamile tá aqui pra te mostrar que sim, dá pra fazer isso onde você trabalha, seja lá onde for. Tem uma missão que não é simples que é a de mapear as iniciativas que dão resultado mundo afora, que se adaptam pra tipos e tamanhos diferentes de redações, e sistematizar tudo bonitinho pra você só ter o trabalho de pegar e aplicar. Alguém já tá cumprindo essa missão. E esse alguém é a ÉNois.

[JAMILE SANTANA]

É, nos últimos anos a ÉNois tem feito essa pesquisa sobre ações de diversidade realizadas no mundo, e fazendo uma sistematização desses aprendizados. Fazendo mesmo uma receitinha ali passo a passo de como você reproduzir aquele conhecimento.

[LOCUÇÃO]

O resultado é uma área do site da ÉNois que é a Caixa de Ferramentas de Diversidade. É só entrar lá em caixadiversidade.enoisconteudo.com.br, o nois é N-O-I-S.

[JAMILE SANTANA]

Foi muito legal porque a gente começou a Caixa de Ferramentas com 50 ferramentas do mundo inteiro pra diversidade. E aí conforme a gente foi ao longo do ano olhando pra dentro da ÉNois inclusive e pros veículos parceiros, todo mês a gente coloca ferramenta nova, de formas diferentes de fazer jornalismo. Dá pra fazer coisas bem legais, sem gastar muito dinheiro, mais olhando pra própria cultura mesmo.

[LOCUÇÃO]

Muita coisa vale também pra quem produz conteúdo independente, então a dica de ouro desse episódio é: vai lá na caixa de ferramentas, dá uma navegada pelos artigos, os guias, vê o que dá pra aplicar no seu trabalho. A ÉNois também aplica isso na prática num programa de treinamento e intercâmbio chamado Diversidade nas Redações, que foi financiado pelo Google News Initiative, começou em outubro do ano passado e tá terminando agora. A Jamile vai explicar melhor.

[JAMILE SANTANA]

Então qual que é a proposta? A gente escolheu 10 redações no país, e cada redação recebe um repórter, que é custeado pelo programa. A primeira seleção foi feita pela ÉNois, então a gente só selecionou pessoas que têm alguma ligação com o território, e uma trajetória social diferenciada. A gente fez recortes de gênero e raça também. E aí a gente escolhe essas 10 redações, faz um match com esses 10 repórteres.

[LOCUÇÃO]

A redação que recebe o repórter cede um editor que vai ser o mentor desse repórter ao longo desse ano.

[JAMILE SANTANA]

Os repórteres passavam por algumas formações técnicas. Por exemplo: como trabalhar com dados de vacina olhando pro território? Como trabalhar com dados de segurança pública olhando pro recorte de gênero e raça? Enquanto os editores também passavam por formações específicas sobre a gestão dos veículos. Então a ideia é que eles pudessem… eu vou usar a palavra contaminar, mas não é bem isso, mas contaminar o resto da redação, sabe?

[LOCUÇÃO]

E são 10 redações totalmente diferentes entre elas.

[JAMILE SANTANA]

Tem veículos bem pequenos, independentes, tem veículos maiores, ligados a grupos de comunicação maiores. É diferente a dinâmica de como trabalhar a diversidade dependendo do perfil, né?

[LOCUÇÃO]

Pra saber qual era o caminho que cada uma dessas redações precisava seguir, entrou em ação uma outra ferramenta maravilhosa da ÉNois: a régua de diversidade.

[JAMILE SANTANA]

A gente tem essa Régua de Diversidade, uma metodologia que a gente criou pra avaliar as redações. Na verdade avaliar o caminho que ela tem que percorrer pra ficar mais perto da diversidade que a gente propôs no programa. Essa análise é feita a cada 3 meses de programa.

[LOCUÇÃO]

É um formulário que vai sendo respondido a cada 3 meses, baseado nas ferramentas diferentes que tão sendo aplicadas.

[JAMILE SANTANA]

Eu tenho ferramentas que são de gestão, ferramentas que são voltadas pra produção jornalística, e ferramentas que são voltadas pra cultura da redação.

[LOCUÇÃO]

E você que tá ouvindo, você quer uma boa notícia? Conta aí, Jamile.

[JAMILE SANTANA]

É, até o final do ano a gente vai lançar a nossa Régua de Diversidade, a gente vai abrir ela pra qualquer redação entrar no site e fazer sua própria análise, seu próprio diagnóstico. E nessa régua automatizada, você coloca lá, responde as perguntas, e no final ela indica ferramentas específicas pro seu veículo. É um aprendizado bem legal, e eu acho que daí podem sair várias coisas boas pro nosso jornalismo. Fica aberto o convite, pra quem quiser seguir a ÉNois.

[LOCUÇÃO]

A ÉNois como sempre fazendo tudo. Obrigado, Jamile, parabéns pelo trabalho. Você que tá aí ouvindo, considere seriamente apoiar a ÉNois. Você entrando no site, enoisconteudo.com.br, no cantinho tem lá, Quero Apoiar, ali tem as informações do financiamento mensal, ou pelo PIX, ou transferência. Eu sou um assinante orgulhoso. E ainda tem encontros online, na Sala de Redação, tem a newsletter que eu já citei, a Diversa. É sempre uma pessoa diferente escrevendo a newsletter, é um conteúdo sempre muito útil. E agora na reta final do episódio, por coincidência, a gente vai conversar com duas dessas pessoas que recentemente escreveram edições da Diversa. Coincidência mesmo, porque nem foi por isso que eu chamei não.

[ÁUDIO DA CHAMADA]

- Rodrigo Alves: Oi, Géssika!

- Géssika Costa: Boa noite!

[LOCUÇÃO]

Géssika Costa é jornalista em Maceió, ela tem um coletivo muito legal chamado Olhos Jornalismo, mas eu queria falar com a Géssika por causa de um fio que ela publicou no Twitter. Segue ela lá no Twitter, é com G e K, @gessikacosta, G-E-S-S-I-K-A, costaa com dois As no fim, gessikacostaa. Ela reuniu nesse fio vários manuais, guias e cartilhas pra orientar coberturas jornalísticas sobre muitos assuntos. A ideia de juntar esses guias veio quando a Géssika tava tocando uma pauta sobre aborto, e ela também faz parte do grupo da Redação Virtual, criado pela Joana Suarez…

[GÉSSIKA COSTA]

Que já foi entrevistada aqui num episódio muito massa.

[LOCUÇÃO]

A Joana tem a chave do Vida, ela volta toda hora. Aliás… adivinha quem é a outra entrevistada que vai encerrar esse episódio.

[JOANA SUAREZ]

Oie!

[LOCUÇÃO]

Calma, Joana, já já eu chego aí. Pessoa ansiosa, né? Joana também assinou uma edição recente da Diversa e já vai falar sobre diversidade geográfica. Mas enfim, a Géssika tava fazendo a matéria sobre aborto, procurando referências sobre cobertura desse tema, e a Joana apareceu no grupo…

[GÉSSIKA COSTA]

E aí ela colocou lá o guia da Think Olga. E eu sou muito fã do jornalismo da AzMina, da Gênero e Número também. Mas uma coisa é você acessar a reportagem. Outra coisa é você ler o guia e entender. O rumo que eu tava querendo dar à minha matéria sobre o aborto, eu disse: caramba, talvez a abordagem não fosse tão interessante. E aí eu já tinha tido esses outros guias, como o guia de jornalismo para falar com pessoas com deficiência, e eu comecei a garimpar, coloquei no Twitter. Fui atualizando, e deu uma viralizada muito interessante, muito legal, que as pessoas possam ter acesso. Não apenas jornalistas, mas serve para a sociedade de maneira geral.

[LOCUÇÃO]

E nessa lista tem manuais jornalísticos pra falar sobre suicídio, sobre violência contra a mulher, gênero, raça, pessoas com deficiência, envelhecimento, mudanças climáticas, são vários assuntos. Pra quem trabalha como jornalista independente é um banco de informações fundamental, vindo de vários lugares diferentes. Procura lá, é o post fixado no Twitter da Géssika. Como eu falei, a Géssika também escreveu essa newsletter da ÉNois sobre construir um banco de fontes indígenas, e isso também vale pra outros temas, pra construir outros bancos de fontes.

[GÉSSIKA COSTA]

Às vezes você quer falar sobre determinado tema, e aí quando você vai olhar, diz: caramba, por que toda vez eu ligo para uma organização de São Paulo ou do Rio de Janeiro? Por que não buscar aqui em Alagoas? Nós temos estudiosos maravilhosos. E muitas vezes a cobertura da gente acaba enxergando com esse olhar meio até viciado.

[LOCUÇÃO]

Escapar desse olhar viciado também é uma missão pra quem produz conteúdo independente. Vou dar um exemplo que rolou aqui no Vida. Sempre que acaba uma temporada, eu faço um mapeamento dos convidados que participaram dos episódios, no recorte racial, de gênero. E pra essa terceira temporada, eu vi que precisava reforçar ainda mais a diversidade geográfica, principalmente regiões Nordeste e Norte. Então eu abri a temporada com Bianka Carvalho, de Recife, Márcio Canuto, que trabalha em São Paulo mas é de Maceió, e o terceiro episódio foi com 7 jornalistas da região Norte. Na sequência eu fui pra diversidade racial e de gênero, com a Maju Coutinho, uma mulher negra, e a Nayara Felizardo, uma mulher negra e lésbica, e que cobre as regiões Norte e Nordeste. Também concentrei nessas regiões na hora da série com bastidores de podcast. Resultado: pegando todos os 55 convidados da terceira temporada, a região que mais teve convidados foi o Nordeste, com 21, mais que o Sudeste. E foram 11 da região Norte. Agora eu vou renovar e adaptar essas metas pra quarta temporada no ano que vem.

[GÉSSIKA COSTA]

Eu acho que isso que você fez é mapear o impacto das fontes, dos personagens que você entrevistou no Vida. Eu acho que essa é uma das principais ferramentas. E é simples. Você vai lá, coloca uma planilhinha, e já começa a entender se aquela cobertura está sendo mais fidedigna possível da realidade do nosso Brasil. Um Brasil plural, imenso, e que a gente precisa atentar pra essa questão essencial. E isso é muito importante. Então essas iniciativas começam a surgir, começam a se intensificar. Mas ainda falta muito, e muito mesmo. Já estão sendo dados alguns passos, mas ainda precisamos repensar e entender que, como dizem aqui, o buraco é bem mais embaixo, né?

[LOCUÇÃO]

Tem toda razão, Géssika. Obrigado, obrigado pelo papo aqui no Vida, viu?

[GÉSSIKA COSTA]

Eu quem agradeço essa oportunidade de falar pro Brasil inteiro e pro mundo, por que não, né?

[LOCUÇÃO]

Quem sabe, né, um dia a gente chega lá. E você que tá ouvindo, procura aí o portal Lunetas e o Olhos Jornalismo.

[GÉSSIKA COSTA]

Beleza, muito obrigada, Rodrigo!

[LOCUÇÃO]

Eu que agradeço. A gente continua no tema da diversidade geográfica, e agora sim, chegou a vez dela.

[JOANA SUAREZ]

Como tá o áudio aí, tá rolando?

[LOCUÇÃO]

Tá rolando, tá rolando. Joana Suarez, sócia de carteirinha do Vida, ela já chega aqui no podcast, abre a geladeira, bota o pé no sofá.

[JOANA SUAREZ]

(risos)

[LOCUÇÃO]

Pode ficar à vontade. E falando em diversidade geográfica, Joana é uma das pessoas que mais pensam esse tema no Brasil, e todo tipo de diversidade, não só geográfica. Agora recentemente ela virou gerente de conteúdo da revista AzMina, que eu também adoro e sou assinante, mas eu queria que a Joana falasse sobre um dos projetos mais incríveis dos últimos anos no jornalismo, juntando dezenas, centenas de pessoas do país inteiro, que é a Redação Virtual.

[JOANA SUAREZ]

A Redação Virtual surgiu em junho de 2020, tem 15 meses agora. Surgiu dessa ideia de partilhar mesmo minha experiência como repórter frila. Eu já estava trilhando uma carreira como frila pra vários veículos há algum tempo. Ela surgiu a partir das oficinas que eu comecei a dar. Mas eu entendi que não era possível só dar essas oficinas e deixar as pessoas pra tentar ser frila sozinhas. Eu acho que a reportagem é um lugar muito do coletivo, né? Tem que estar junto, pra partilhar contatos, fontes, agendas, dúvidas, angústias, né? Eu fui criando esse grupo a partir das pessoas que iam fazendo a oficina, pra que elas ficassem ali conectadas. Hoje somos 250 pessoas num grupo que migrou pro Telegram, porque o Whatsapp tem limite de quantidade de gente, né.

[LOCUÇÃO]

Eu fiz a oficina da Joana, então eu tô na Redação Virtual também, e diversidade ali é o que não falta.

[JOANA SUAREZ]

Dessas 250 pessoas, tem gente de 50 cidades. No último levantamento que eu fiz eram 50 cidades brasileiras, de todas as regiões. E eu fico feliz porque é gente muito diversa, né, não só de centros urbanos, mas do interior, muita gente também LGBTQIA+, negros jornalistas. Eu acho que, quando a gente junta todas as diversidades, a regional e as das minorias sociais, a gente consegue olhar pra um jornalismo que vai realmente representar, né. No fim das contas a gente tá falando de qualidade de informação mesmo.

[LOCUÇÃO]

Aí entra um tema que já passou aqui pelo episódio, que é isso, a diversidade precisa vir acompanhada da inclusão e da capacitação dessas pessoas.

[JOANA SUAREZ]

Ninguém tá pronto. Essa é a conclusão que eu chego depois de um ano lidando com essas pessoas. São raros os que estão prontos pra executar uma reportagem ou um produto que no fim das contas é uma reportagem, mas em outro formato, seja um podcast, um vídeo. Quando eu olho pro todo, eu fico um pouco desesperada, porque eu falo: meu deus, a missão é muito grande, e a gente tá muito longe de ter condições ideais.

[LOCUÇÃO]

Mas…

[JOANA SUAREZ]

Mas quando a gente vai olhando ali, lá na Redação Virtual quem vai publicando matéria e ficando feliz por isso… Porque quando a gente fala de reportagem, você que faz o Vida de Jornalista sabe bem disso, a gente tá falando muito de satisfação pessoal também, né? É uma paixão ali que todo mundo alimenta e que a gente quando faz a reportagem fica muito feliz com o resultado na maioria das vezes. Mas acho que o jornalista tem que tirar um pouco essa paixão agora e entender que a gente, pra continuar apaixonado e fazendo, a gente precisa garantir a nossa segurança, nosso presente e nosso futuro.

[LOCUÇÃO]

E daí qual é o caminho, Joana?

[JOANA SUAREZ]

E daí eu acho que as organizações entram com uma responsabilidade aí, sabe? As organizações jornalísticas e os investidores, os Facebook e Google da vida, todas essas empresas que se alimentam desse conteúdo que jornalistas estão fazendo sozinhos. Eu costumo falar isso, que a gente vai ser muito burro mesmo se a gente não se preocupar com esse jornalista da ponta. Porque nunca tivemos a oportunidade de ter gente em tudo quanto é canto desse país fazendo reportagem.

[MÚSICA]

[LOCUÇÃO]

É, a gente nunca tá pronto, né, por isso é tão importante ouvir essas pessoas, e eu gosto muito de ouvir a Joana, eu acho que a visão dela sobre o jornalismo brasileiro tá sempre um passo à frente, ela é uma espécie de guia pra mim, de verdade. Tanto que aqui no episódio a gente teve alguns minutos de Joana, mas a nossa conversa lá na gravação durou tipo uma hora e meia. Então eu só agradeço demais pela generosidade de sempre.

[JOANA SUAREZ]

Obrigada, valeu, conte sempre aí, tô na área sempre.

[LOCUÇÃO]

Valeu, Joana!

[JOANA SUAREZ]

Até mais!

[LOCUÇÃO]

Eu agradeço não só à Joana, mas a todo mundo que passou por aqui hoje: Géssika, Jamile, Caê, Sanara, Renan, Yasmin, Camila, Flávia, Kátia, Selene, Juliano.

[LOCUÇÃO]

E agradeço a você, né? Espero que, assim como eu, você também tenha aprendido coisas nesse episódio. Se você é estudante, leva o tema pros seus colegas e professores. Se você produz conteúdo independente, pensa aí o que dá pra fazer pra ter um conteúdo mais diverso. Se você trabalha numa redação, ou numa assessoria, faz o episódio chegar nos seus chefes. Quem sabe não é o começo de um jornalismo mais diverso aí onde você trabalha.

[LOCUÇÃO]

Esse foi o episódio 100 do Vida de Jornalista, eu tô muito feliz de ter chegado até aqui. Esse é o fim da terceira temporada, agora o Vida faz uma pausa nos episódios inéditos, mas se liga só no que vai acontecer.

[LOCUÇÃO]

Não sei se você já ouviu a série Memórias, que foi ao ar aqui no Vida em 2019, com episódios documentais sobre coberturas históricas do jornalismo brasileiro. Como tem muita gente que chegou depois disso, a partir da próxima semana eu vou republicar os oito episódios da série, em versão remasterizada, muito chique, com aquele gás no áudio pra ficar bonito. Em novembro e dezembro vai ter de novo no seu feed: Césio, Ônibus 174, Copa de 70, Caso Eloá, Epidemia de Ebola, Irmã Dorothy, Acidente da Chapecoense e Guerra do Vietnã? Por que é que eu vou fazer isso? Porque no dia 4 de janeiro, começa uma nova leva da série Memórias com episódios inéditos em janeiro, fevereiro e março, material novinho em folha. Eu já gravei algumas entrevistas, tô muito empolgado com essas produções, espero que você goste.

[LOCUÇÃO]

Não esquece que o Vida é um projeto que eu faço sozinho em todas as etapas, do início ao fim, e o único financiamento é o dos ouvintes. Então se você puder, considera por favor apoiar o podcast com um plano mensal, é só buscar por Vida de Jornalista no PicPay, no Catarse ou na Orelo, aí você escolhe um plano, a partir de 10 reais tem grupo no whatsapp, e acima de tudo, você ajuda o jornalismo independente, e me deixa feliz. Obrigado pela companhia em mais uma temporada. Um beijo, um abraço, e até daqui a pouco!

[FIM DO EPISÓDIO]

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